Além disso, se tudo quanto existe pode ser explicado pelas forças impessoais que atuam no universo, como quer o Naturalismo, segue que até a consciência humana é um resultado destas mesmas forças. Logo, menos claramente se pode distinguir entre ações boas ou más, porque todas são naturais, parte do comportamento do homem-máquina, preservadas pela Seleção Natural que garantiu a nossa sobrevivência. Isto reforça a impossibilidade da responsabilidade pessoal por qualquer ato – mesmo aqueles que são caracterizados como crimes hediondos[1]. Não surpreende que dois estudiosos darwinistas (um biólogo e um antropólogo) sustentassem em um livro recente que o estupro é um comportamento natural![2] Tal suposição de que todo ato humano tem explicação natural leva, logicamente, ao caos social. Como disse o escritor Conrado Álvaro: “O grande desespero que pode se apoderar de uma sociedade é a dúvida de que viver honestamente seja inútil.”[3]
A falta de base para o conhecimento unificado (sobre nós, sobre o mundo e que caminhe rumo a algum senso de propósito para a vida) leva ao desespero. Por esta razão, torna-se impossível viver suficientemente pelos resultados da proposta naturalista.[4] Esta constatação criou várias contrapartidas ao Naturalismo no decurso do século passado – do Existencialismo à Contracultura da década de 60. Neste último caso, misticismo e drogas alucinógenas eram a maneira de “abrir a mente” para uma nova realidade[5]; levando-se em conta que a realidade da ótica naturalista não poderia oferecer qualquer alicerce para nenhum tipo de esperança, restava o refúgio da utopia irracional. O seguinte depoimento é um registro da mentalidade da contra-cultura: “– A droga naqueles dias foi um componente de revolta, com um significado especial para cada um de nós. Não fumávamos apenas porque era bacana ou para alterar o sentido de percepção – que era o barato –, mas para quebrar toda uma estrutura política. A postura iconoclasta seria um fenômeno mundial, uma atitude de contracultura diante de um país vivendo os ‘anos de aço’ da ditadura militar. Éramos rebeldes com boas causas. Na França os motivos eram outros, mas a reação foi a mesma.”[6]
Depois de flertes com a utopia mística, a última faceta do desespero humano desemboca na Pós-Modernidade.
PÓS-MODERNISMO: A ÚLTIMA ESTAÇÃO
PÓS-MODERNISMO: A ÚLTIMA ESTAÇÃO
A mente pós-moderna desistiu da busca pela verdade absoluta – o que importa agora é a verdade útil, que funcione e traga satisfação em nível individual. A verdade agora pertence à esfera privada, não mais pública.[7] Desta perspectiva, temos de encarar o surto de espiritualidade em anos recentes não como o reacender da chama da fé, mas uma demanda para fugir das implicações naturalistas, sem, contudo, expressar rejeição à própria base do Naturalismo que torna inócuas todas as esperanças para além do mundo físico. Cada pessoa pode mesclar os elementos religiosos de qualquer tradição, da forma como quiser, buscando alcançar conforto, embora este conforto não passe de uma ilusão autoadministrada.
Sendo o Cristianismo, particularmente os ramos Protestante e Pentecostal, uma religião de “conversão individual”, sua compreensão valoriza o “ingresso voluntário” na comunidade[8]. Diante disso, o boom da espiritualidade soa promissor para a expansão da fé cristã. Entretanto, este “retorno da religião” fica condicionado pelo Pós-Modernismo à esfera “do privado, do íntimo, o que retira da religião a importância que tivera enquanto matriz cultural totalizante”; a religião, assim limitada, perde “a capacidade de exercer influência sobre qualquer âmbito de relevância na vida social, limitando-se a esfera individual.” O novo conceito de Cristianismo oferece não valores sólidos, mas “postos de oferta mágico-místico”. A religião cristã deixou de oferecer uma base racional, apenas para se tornar mais uma utopia irracional, uma fantasia conveniente.[9]
Em meio a tantas mudanças, podemos dizer que o caminho do Pós-Modernismo seja satisfatório aos anseios da Humanidade? O conhecido sociólogo Zygmunt Bauman compara Modernidade e Pós-Modernidade a horizontes: na Modernidade, a busca por coisas como “verdade absoluta”, “arte pura”, “ordem”, “certeza” e “harmonia”, constitui o horizonte, para o qual “quanto mais rápido se anda mais velozmente” ele recua, restando o consolo de uma “ilusão sustentadora de um destino, propósito e direção”, que faz com que o caminhante imagine (em vão) estar avançando para algum lugar. Mas este modelo enganoso de sucesso prometido pela Modernidade deu lugar a algo não menos enganoso: agora, na Pós-Modernidade, não existem padrões, exceto que “o consumo é a medida de uma vida bem-sucedida”, o que leva Bauman a concluir que “foi retirada a tampa dos desejos humanos”. A substituição de modelos de vida pela busca insaciável de desejos e “sensações emocionantes” não leva o homem a um maior grau de satisfação. Estamos novamente diante de uma linha de chegada que “avança junto com o corredor”[10]. Em outras palavras: na prática, Modernidade e Pós-Modernidade falham em dar ao homem um senso de satisfação resultante de se alcançar o propósito final de sua vida. A razão? Modernidade e Pós-Modernidade são edifícios erigidos sobre a pedra fundamental do Naturalismo, que “esvaziou” o Universo ao ignorar a existência e atuação de Deus.
Toda a crise oriunda da concepção de um universo fechado resultou na supervalorização otimista do racionalismo, num primeiro momento, para gradativamente afluir no pessimismo e insuficiência do Pós-Modernismo. A única solução para o impasse do homem a beira da falta de sentido está na volta do Teísmo, única visão de mundo que oferece a presença pessoal de um Deus infinito, o que é capaz de prover a contento as necessidades humanas mais intrínsecas. É preciso entender que a vida só faz sentido se o Universo – tanto o físico/externo quanto o pessoal/interno – estiver aberto para a atuação do Deus que a Bíblia apresenta, aceitando Sua completa soberania.
[1] James Sire, “O Universo ao Lado”, pp. 101-103.
[2] Randy Thornhill e Craig T. Palmer, “The natural history of rape: biological bases of sexual coercion” (Cambridge, Massuchusets:MIT Press, 2000). O livro repercutiu no Brasil através da matéria de Mario Sabino, “O estupro é ‘natural’?”, publicado em Veja, 15 de Março de 2000, p. 152. Para uma avaliação do livro de uma perspectiva cristã, ver Nancy Pearcey, “Verdade Absoluta: libertando o Cristianismo de seu cativeiro cultural” (Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006), pp. 235-236.
[3] Conforme publicado no jornal A Notícia, 2 de Janeiro de 2009, nº 24.753, seção “Canal Aberto”, p. 6.
[4] Francis Schaeffer, “A Morte da Razão” (São Paulo, SP: Aliança Bíblica Universitária do Brasil; São José dos Campos, SP: Editora Fiel da Missão Evangélica Literária, 1989), 5ª ed., p. 44. Para uma análise mais detalhada da insuficiência do Naturalismo, ver James W. Sire, “O Universo Ao lado”, pp. 81-91, 95-113.
[5] Sobre contra-cultura, drogas e misticismo, consultar: (A) Fernando Aranda Fraga, “Pós-Modernismo e Nova Era: as conexões sutis”, Diálogo Universitário, vol. 9, nº 3, 1997, p. 11; (B) Os Guinnes, “The dust of Death” (Dowers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1973), capitulo 7, pp.232-269; (C) Francis Schaeffer, “A Morte da Razão”, pp.52 e 53.
[6] Depoimento de Ivan da Costa, um dos amigos do poeta Paulo Leminski, falando sobre o consumo de drogas entre o grupo de pessoas reunidas em torno do artista, em Toninho Vaz, “Paulo Leminski: o bandido que sabia Latim” (Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, 2001), p. 90.
[7] David Well, “A supremacia de Cristo em um mundo pós-moderno”, em John Piper e Justin Taylor (org.), “A supremacia de Cristo em um mundo pós-moderno” (Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2007), 26.
[8] Antônio Carlos Perucci, “A religião como solvente - uma aula", disponível em http://www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/religiao_como_solvente.pdf, p. 10.
[9]Fabiana Luci de Oliveira "O campo da sociologia das religiões: secularização versus a 'Revanche de Deus'”, disponível em www.periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/viewPDFInterstitial/724/574, pp.5-7, 11-12. A autora está discutindo a posição de Antônio Carlos Perucci, sobre a chamada “desmoralização” da religião, com a qual não concorda; Oliveira apresenta a alternativa de uma mudança de aspecto na religião, que, segundo a autora, continuaria influente no mundo moderno. Em nossa avaliação, Perucci e Oliveira estão, cada qual, olhando para lados opostos da mesma moeda, sendo possível conciliar suas opiniões a respeito da religiosidade moderna.
[10] Zygmunt Bauman, “Modernidade e ambivalência”, (Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 1999), pp. 17-18 e “O mal-estar da pós-modernidade”, (Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 1997), p. 56.
Nenhum comentário:
Postar um comentário