sábado, 21 de fevereiro de 2009

O PETISTA QUE ERA ECUMÊNICO


Hans Küng está para o Vaticano como o PT para o cenário político do país. O teólogo é progressista quanto a temas nos quais Roma demonstra com maior afinco seu tradicionalismo – Küng defende a ordenação das mulheres, o fim do celibato, a fabilidade papal, além de questionar em seu livro “A igreja Católica”[1] o próprio estabelecimento do papado, negando que isto teria ocorrido ao Cristo supostamente nomear Pedro o primeiro Papa. Salta aos olhos o porquê de o teólogo suíço e a igreja romana se desentenderem por décadas.

Em entrevista à revista Isto É[2], Hans Küng faz alguns pronunciamentos que alternam entre o tom espirituoso (“[…] Não há contradição entre fé e inteligência. Posso ser um exemplo. Tenho muita fé e acredito que tenho alguma inteligência.”) e a denúncia cáustica (“[…] Eu esperava que ele [o papa Bento XVI] estivesse disposto a atos de coragem, mas ele se tornou cada vez mais radical e se cercou apenas de pessoas pouco críticas e que apenas o seguem. Não possui uma equipe de acadêmicos e bispos questionadores. Comete um erro após o outro e não há nenhum bispo para corrigi-lo. Não gosta de ser questionado.”)[3] Todavia, a razão de Küng estar entre os teólogos mais influentes ainda em atividade é atribuída à perspicácia do suíço, capaz de traçar um relato crítico da igreja que ele ama baseado numa compreensão histórico-crítica do NT.

Um exemplo da abordagem bíblica típica do teólogo é o motivo que encontra para rejeitar a passagem de Mateus 16:18 como a alegada nomeação de Pedro como papa (posição defendida pelo Catolicismo): Küng não oferece uma alternativa exegética[4], mas sustenta que o texto não reproduz uma declaração histórica feita por Cristo, senão, trata-se de um acréscimo feito pela comunidade cristã que influiu na produção do evangelho[5].

Outra razão para que Küng esteja na vanguarda teológica é sua defesa incansável do ecumenismo. O diálogo com outras crenças teve início na década de 60, quando passou a usar sua postura de respeitável estudioso (a esta altura, ele participara da redação do Concílio Vaticano II) para repensar o Catolicismo. De lá para cá, Hans Küng defende uma interação maior entre os cristãos, suficientemente abrangente para incluir outras religiões. O objetivo dessa interação seria “elaborar uma ética global com base em valores comuns das necessidades sociais e individuais.” Para tanto, a base ética precisaria se fundamentar na “crença das diferentes religiões e daqueles que não têm crenças.”[6]

Embora pareça inconsistente um união ética global baseada em conceitos religiosos díspares, pelo menos alguns cristãos estariam dispostos a se unirem quanto a pontos comuns de suas doutrinas, para aumentar a influência cristã em um mundo sem sólidos valores.[7]

Talvez, a reflexão mais apropriada a ser feita diante das ideias de Küng tenha que ver com a insuficiência da mera rejeição da tradição católica sem que a acompanhe o desenvolvimento de uma doutrina genuinamente bíblica. Outro influente teólogo, o já falecido Oscar Cullman, deu um passo a mais: assim como o suíço Küng, o alemão Cullman participou do Vaticano II (sendo luterano, apenas como observador), e de diversos diálogos interdenominacionais; contudo, desafiou muitas das noções protestantes tradicionais (como a imortalidade da alma) em seus estudos do texto bíblico. Afinal, ser cristão significa, estritamente, deixar-se levar pela Bíblia de forma construtiva, desafiando, sempre que possível, as noções convencionais.

[1] Hans Küng, “A Igreja Católica” (Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2002).
[2] “O papa comete um erro após o outro”, Hans Küng em entrevista cedida à Carina Rabelo, Isto É, 18 de Fevereiro de 2009, nº 2049, pp. 6-11. De agora em diante, apenas “HK/IE”
[3] “HK/IE”, pp. 11 e 10.
[4] Como os protestantes em geral o fazem, ao interpretarem que a Pedra (Gr. “Petra”, rocha) sobre a qual seria estabelecido o Reino se referia ao próprio Cristo, em contraste com a pedra (Gr. “petrós”, pedregulho) que reporta ao próprio Pedro.
[5] Hans Küng, “A igreja Católica”, p. 35. Além disso, o autor suíço acrescenta: “Na primeira igreja, Pedo sem dúvida possuía uma autoridade especial; entretanto, não a possuía sozinho, mas sempre conjuntamente com outros. Ele estava longe de ser um monarca espiritual, ou mesmo um governante único. Não há sinal de nenhuma autoridade exclusiva, quase monárquica como líder.” Idem, pp. 35 e 36.
[6] “HK/IE”, 11.
[7] “Mas se quisermos causar um impacto em nossa cultura, o primeiro passo deve ser o de nos unirmos a Cristo, fazendo um esforço consciente entre todos os verdadeiros crentes para nos unirmos a despeito das linhas raciais, éticas e confessionais. Em sua grande oração sacerdotal, Jesus orou fervorosamente para que fôssemos um, assim como ele é um com o Seu Pai. Por quê? Para que o mundo creia que Ele é o Cristo (veja Jo. 17. 20-23). A implicação inevitável das palavras de Cristo é a chave para a evangelização e para a renovação cultural. Muito da fraqueza da igreja pode ser atribuída â nossa incapacidade ou indisposição para obedecer à ordem de procurar a unidade em Cristo.” Charles Colson e Nancy Pearcey, “O cristão na cultura de hoje: desenvolvendo uma visão de mundo autenticamente cristã” (Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006), 2ª ed.,pp. 49 e 50. Uma resposta a esse tipo de argumento, bastante repisado, encontra-se em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2009/01/catlicos-e-luteranos-mais-prximos-da.html.

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