sexta-feira, 23 de abril de 2010

QUANDO ALGUÉM DEVE SE UNIR A IGREJA?


Em décadas passadas, os cristãos não-católicos eram até mesmo ridicularizados por seus costumes severos. A despeito dos exageros de determinadas regras impostas à comunidade, os líderes religiosos pautam-se de forma criteriosa quando o assunto era vida cristã. Não era diferente quando se tratava de examinar membros em potencial. Talvez este seja um tópico que, adespeito de sua antiguidade, permaneça controverso: o que é necessário para que alguém seja aceito na comunidade cristã?

A Bíblia não deixa dúvidas de que o batismo é o rito de iniciação para que alguém se torne um cristão (At 2:38,44,47). Além disso, o batismo pressupõe que já houve uma experiência mística de conversão real, associada à morte e ressurreição de Jesus (Rm 6:3-8). A questão gravita sobre o quanto de instrução é necessário para alguém tornar-se um discípulo e poder se batizar. A julgar pelo que Cristo disse, a instrução deve ser o mais completa (Mt 28:20).

Obviamente, instruir é uma parte do processo, a qual se faz acompanhada da prática de uma vida santa, transformada, sinal não somente dos efeitos do ensino, como, principalmente, da comunhão com o Senhor que primeiramente transmitiu as verdades ao ser humano. Enquanto a instruição constitui um processo objetivo, a transformação da vida é algo subjetivo, embora mensurável pelos hábitos de vida.

Max Weber observou entre os protestantes norteamericanos a ênfase na vida ética, que subjulgava o próprio caráter da mensagem da transformação de vida. Ele comenta que, dentro do contexto sócio-religioso de seus dias, não importava a que se seita se pertencia; “[…] o decisivo é que se seja admitido como membro através de ‘citação’, depois de um exame e uma comprovação ética no sentido das virtudes que estão a próprio para o ascetismo ao mesmo tempo íntimo e voltado para o mundo, do protestantismo, e, daí, para a tradição puritana antiga.” Naqueles idos, uma “seita de reputação só aceitaria como membro a pessoa cuja ‘conduta’ a tornasse moralmente em condições disso, fora de qualquer dúvida.” [1]

Com isso, é pouco dizer que as pessoas já deveriam estar completamente transformadas antes do batismo; em verdade, elas nunca deveriam ter sido pecadoras o suficiente a fim de necessitarem uma transformação radical! Logo, a salvação alcançava a bem poucos.

Gritante contraste essa visão produz quando comparada com a práxis dos cristãos contemporâneos, para os quais a sensação da conversão é mais importante do que a ética. O pêndulo correu rapidamente para o lado oposto.

Perdeu quase toda a importância a instrução; são evocados exemplos como o ladrão na cruz (Lc 23:40-43), como de conversão dramática. Claramente, entretanto, estamos diante de uma exceção, por se tratar de alguém que aceitou a Cristo nos momentos finais de sua vida, com base num conhecimento limitado que tivesse dEle e Sua obra.

Outra situação evocada é a do Eunuco etíope, que se batizou após uma conversa com Filipe (At 8:26-39). Porém, o texto nos informa que o funcionário real havia ido a Jerusalém para adorar (v. 27), o que nos sugere que ele fosse um prosélito do judaísmo. Algum conhecimento da Verdade aquele homem possuía e o que lhe faltava, certamente, Filipe supriu durante a conversa que tiveram.

Requer acrescentar aos fatos citados a compreensão de que, para muitos judeus do primeiro século, a verdade que lhes fatava era a vinda do Messias cumprida em Jesus de Nazaré, e a decorrente abolição das leis cerimoniais. Em contrapartida, estamos em um mundo dito pós-cristão, que despreza ou relativiza muitas das doutrinas bíblicas. As pessoas não possuem uma base comum a partir da tradição cristã [2]. No contexto brasileiro, a Igreja Católica deixou resquícios ubíquos, e esses influem sobre a mentalidade religiosa da sociedade, criando um substrato que precisa ser demolido, a fim de que se queira assegurar uma instrução cristã adequada [3].

Ainda assim, há igrejas pentecostais para as quais é comum a prática de convites (apelos) feitos durante o culto para que a pessoa se batize imediatamente! Como já dissemos, a questão, para tais grupos, não envolve preparo, tão somente a dramaticidade da conversão (reduzida à decisão de “aceitar a Jesus”, sem se levar em conta as implicações no ethos pessoal ou mesmo o preparo doutrinário formal).

Em benefício do recém-converso, o preparo doutrinário evitará confusão, além de favorecer seu crescimento espiritual sadio; sem a instrução necessária, haverá, muito provavelmente, uma má compreensão da vida cristã, bem como sua possível idealização. Conquanto o acompanhamento por parte de cristãos maduros seja necessário, o neófito precisa estar bem fundamentado em sua decisão e ter tido aquela experiência pessoal com Jesus, antes de se batizar: somente assim, ele se sentirá seguro de poder ir a Jesus como está, sabendo que um Deus de amor, por misericórdia a ele, não permitirá que ele fique como está – antes, o transformará a cada dia, em uma “nova criatura”.

[1] H. Genth e C. Wright Mills (org.): Max Weber, Ensaios de Sociologia (Rio de Janeiro, RJ: Zahar Editores, 1974), 3a ed., pp. 352-3, 351. Grifos no original.
[2] Creio que a primeira observação que ouvi feita nesse sentido partiu do teólogo Alberto R. Timm, em uma de suas aulas.
[3] Para as influências do Catolicismo sobre a liderança neopentecostal, ver Augusto Nicodemos, O que estão fazendo com a igreja: ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2008), p.27-ss.

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