sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

SEGURA



A noite assoviava. Folhas secas decoravam seu cabelo. Chegou. Esperou. Entrou no ônibus, desânimo.

O serão na fábrica quase não teve fim. A coluna moída pelas horas em pé. Mas ela se acostumara ao trabalho duro, nas plantações do norte de Minas Gerais, de onde a família viera. Via seu rosto no reflexo da janela do coletivo. Ainda jovem, embora sua juventude não fosse motivo de orgulho ou contemplação autoindulgente.

Acordou no ponto final. Deveria voltar algumas quadras até chegar em casa. Prenúncio de amanhecer cintilando na esquina. Uma ladeira, poucos metros. Passos além dos seus. A malícia parece um vento rival, invadindo seus ouvidos, infundindo-lhe mal-estar e fazendo-a mais ligeira, precavida. A proximidade assustadora. Solta um grito seco, apavoradíssimo.

O homem em seu percalço, ainda mais ousado. Olha para trás, acompanhando a chegada do intruso. E tromba com outro homem. Uma forma inteiriça, sólido como o bronze. Antônio, o marido. Vinha para se encontrar com a mulher. Na mão, um caniço, usado para afugentar os cães.

Entendeu o medo da mulher. “Fique aqui”, falou sem rodeios.

Ela só podia sentir o peso de sua própria respiração, concisa e sob medida. Ouviu os passos rústicos do marido. E os deboches do perseguidor. Congelada no silêncio da penumbra interior, mal detinha seus pensamentos tumultuados.

Alguma coisa atrás dela quebrou-se. Um arrepio lhe percorreu. De repente, uma mão em seu ombro.

“Vamos para casa”.

A noite voou e o sol ocupou o ninho. Tomavam o desjejum sem conversa. Até que a voz de Antônio percorreu a distância. “Acho que matei aquele homem”. Não havia muito a ser dito.

O dia galopou, irrefreável. A mulher arrumava as cortinas, quando o viu na rua. O mesmo homem. Claustrofóbica, sentiu um desatino, um aperto. Vinha ele, olhando de casa em casa. Procurava quem lhe acertara o rosto. Tinha marcas profundas, sangue pisado, o nariz torto. Mas agora, ela estava segura. As marcas naquele rosto apenas faziam crescer essa sensação.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom esse conto, que aliás me soa beeemmm familiar...
Sonineca