quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

UM FUTURO DISTANTE



Resenha crítica de Gustavo Ioschpe, O ensino superior do futuro, Revista veja edição 2257 – ano 45 - nº8, p. 78-79

O tema educação foi pauta do primeiro turno do último debate presidencial. Apesar de tantas alegadas preocupações, especialmente com a qualidade do ensino oferecido pela rede pública no que tange à Educação Básica, e os debates em torno do modelo de Enem (que tem se transformado na prática em um modelo de avaliar os diversos serviços oferecidos por instituições educacionais), pouco se tem focado no Ensino Superior. O assunto chega à mídia quando se retrata uma eventual greve dos servidores das universidades públicas.
Imaginar um futuro diferente, no qual a educação interaja com novas abordagens tecnológicas e ofereça um conhecimento mais acessível, no sentido de ser útil às pessoas seria uma utopia? O texto em lide procura oferecer, por meio de experiências de seu autor, a visão de que algumas mudanças nesse âmbito não são apenas possíveis, mas que já veem acontecendo.
A premissa básica do autor é a apresentação do caráter das mudanças no Ensino Superior, divididas em aspectos pontuais. Um termo-chave é a multidisciplinariedade. Multidisciplinariedade usualmente se refere a parcerias pedagógicas entre disciplinas dentro de um mesmo currículo, em termos de conteúdos complementares ou projetos pedagógicos afins. Em verdade, para evitar confusões, seria mais apropriado falar em um currículo integrado, que agregasse áreas diferentes do conhecimento. A nomenclatura diferenciada tornaria mais claro o cerne da proposta do autor.
Entre os aspectos pertinentes que marcam a mudança do Ensino Superior, menciona-se a flexibilidade, que significaria oferecer cursos de curta e média duração (de 2 a 4 anos), com grades integradas e com abordagens mais dinâmicas. Outro aspecto: a integração do Ensino Superior com o Ensino Básico, não somente no sentido deste servir de preparação para aquele, mas também quanto a despertar vocações. O autor defende o uso de tecnologia, com fim principal de transmitir vídeo-aulas. Outro quesito seria a mudança de currículo, com um enfoque mais pragmático, tendo em vista necessidades sociais prementes e não mera transmissão de conhecimento obsoleto.
Por último, pondera-se acerca dos custos dessa inovação e o impacto que isso teria sobre a sociedade. Por um lado, teríamos uma democratização do conhecimento, com abertura de novos cursos e mais acessos para todos. Se até agora, como ponderou Zabala (1998, p.27) “a função fundamental que a sociedade atribuiu à educação tem sido a de selecionar os melhores em relação à sua capacidade para assegurar uma carreira universitária (sic)”, o suposto acesso à universidade franqueado à maior parte dos adultos significaria uma revolução! Por outro, como o texto em análise sublinha, a excelência cobraria um preço e mesmo Ensino Superior público brasileiro perderia aquele que tem sido historicamente um de seus maiores atrativos: a gratuidade.
Claro que toda essa discussão não pode perder de vista o cerne da educação: a aprendizagem. Embora mediada pela instituição, a aprendizagem não se limita a ela. Uma revolução na aprendizagem deve começar com uma visão correta. “A aprendizagem é um processo de uma vida que pode ocorrer em qualquer tempo ou lugar. A educação pode ser vista como um subconjunto da aprendizagem.” (Knight, 2001, p. 10).
É louvável discutir a utilidade do conhecimento transmitido no Ensino Superior (ou mesmo no Ensino Básico). Ainda assim, ficaríamos limitados pela adoção de uma concepção meramente pragmática do conhecimento. Uma formação superior seria deficiente se sua proposta se restringisse ao preparo para o mercado de trabalho. Se a aprendizagem “pressupõe experiências vividas pelos sujeitos” (Hoffmann, 2012, p. 130), como aliás propôs Vygotsky, tem de haver mais interação, não apenas entre o real e o virtual, mas entre alunos e mestres, pessoas de contextos diferentes que, ao interagirem, cresceram em conhecimento.
Mais do que visar fatores externos – embora relevantes –, a educação precisa ser transformada de dentro. Não meramente transmitir conhecimentos prontos, pré-fabricados – quer tradicionais, quer atualíssimos – mas enxergar o ser humano de forma integral, pensando em seus valores, contexto, habilidades e potencial, porque isso se relaciona de forma vital com a aprendizagem. Desse prisma, parece ainda mais utópico falar de uma revolução na educação brasileira, relegada, quem sabe, a um futuro distante.

Referências

Hofmann, Jussara. Avaliação Mediadora: Uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre. Editora Mediação. 2012. 32a ed.
Knight, George. Filosofia e Educação: Uma introdução de uma perspectiva cristã. Engenheiro Coelho. Unaspress. 2001.

Zabala, Antonio. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre. ArtMed. 1998.

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