sábado, 8 de novembro de 2008

CIDADE DOS HOMENS

Na planície, onde só havia fugitivos, com suas cidades assentadas sobre sangue. Seu calcanhar majoritário iluminado pela reticência de um sol de outono, as ruas em polvorosa, a notícia alarmando. (Que havia de errado com aqueles caquis, de uma suculência provocadora?) As mãos não estavam bem limpas, e eram notadas pelos curiosos, poucos duvidando de que tivera a audácia para fazer o que se comentava. Faltavam pouco metros para deixar as casas dos anciãos da vila para trás, com seus donos estarrecidos. Aquele homem, de sobrancelhas remexidas e buço de pedra, ele tinha o caos por lei; e se alguém lhe seguisse o exemplo? (As pêras, sem dúvida tenras, os kiwis esmeraldinos, frescos, as abóboras, as couves, quiabos, todos em bom estados, mas sem a aprovação – que ódio!)
Adão vivia para saber da notícia. Que tristeza
Lhe acometia a conta dos erros; que tristeza de pai – e tristeza de homem!
Não via como isso poderia mudar. Mas
Tinha na promessa divina sua única razão de esperança,
Aqueles homens da planície, revoltados contra Jeová,
Que seria deles? Ou creriam ou se perderiam
Nas incertezas de seus procedimentos aterradoramente malignos. Eles escolheriam.
Que havia de errado com aqueles caquis, de uma suculência provocadora? Vinha se interrogando, torturado o coração em meio às cenas mais belas da natureza. Ipês-roxos costeavam a angústia de seus passos desconfigurados. No horizonte, esquadrilhas de asas amenizavam o tom vermelho do sol em despedida. As pêras, sem dúvida tenras, os kiwis esmeraldinos, frescos, as abóbaras, as couves, quiabos, todos em bom estado, mas sem a aprovação – que ódio! Mas não existe voz que o repreenda, nem exemplo que supere os seus atos. Não há quem concorra à aprovação dos pais ou mesmo a do Senhor. O pastor que atormentava, o pastor…sob os veios de cal. Calado, não de todo. Seu procedimento ainda retinia em sua memória, somado à insatisfação. O altar de Abel estará lá, no lugar de antes, junto do seu próprio. Um altar cheio de mensagens. Altar do caçula que o irritou por sua fidelidade.
Finalmente está em casa. Suas duas mulheres deixam as rendas, a farinha, a coalhada, o azeite, o poço. Elas lhe abraçam lânguidas, como duas serpentes que se enrolassem em uma espada. Ele fala com elas, fala para que os vizinhos ouçam.
Quanto pó, terra maldita. As marcas não saíram e como esfreguei minhas mãos naquele rio encardido. Mas estarei em casa, haverá o refresco da coalhada para amenizar o peso do suor. Ada e Silá me esperam, nem sabem o que se passou. Maldita poeira!, quem pode enxergar a direção da Vila, com suas casas crescendo em número e paramentos? Quem mandou que ele me ferisse, pobre idiota! Ah!, eu não tenho de me preocupar com nada, nada, nada! Se aquele que assassinasse o patriarca Caim seria vingado por Deus, muito mais a mim! não sete vezes, mas setenta vezes sete – ah, ah,!Finalmente, a vila, sei que as notícias me antecedem. Mas quero que minhas esposas saibam de minha própria boca como eu despachei facilmente aquele cão. Certamente, todos me respeitarão mais ainda. Mal posso esperar pela coalhada…
Do alto, Seu projeto contemplava. A forma como tudo estava acontecendo, os crimes,
A maldade própria a satanás, agora própria também ao homem, filho que Ele amava;
Tudo Lhe feria. Pela Terra toda, poucos homens tinham Sua lei no peito.
Sua intenção fora sabotada pela difusão do mal. Mas Seu conselho eterno
Se mantinha como antes: inabalável. Com a Criação ameaçada, Seu plano
De amor triunfaria! A justiça que, para pessoas iguais a Lameque, era nada,
O Eterno Jeová reivindicaria, fazendo justiça aos Seus filhos também:
Todos oprimidos, desde Abel, seriam justiçados.Por ora, o mal se espalhava,
E os Céus não podiam suportar sua onda crescente de infâmia, assolação e caos.

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