No momento em que escrevo, o presidente paraguaio Fernando Lugo vive uma crise, pressionado pela oposição a deixar seu cargo. Tudo porque até o ano passado Lugo era bispo católico e deixou a batina para concorrer à presidência. Já empossado, ele reconheceu a paternidade de um menino de quase dois anos, fruto de seu relacionamento com Viviana Carillo. Daí por diante a polêmica aumentou com a alegação de outras mulheres de que teriam igualmente gerado filhos do presidente.
Essa história ao mesmo tempo em que gerou chacotas sobre o presidente paraguaio, reacendeu debates em torno do celibato católico. Fez-me lembrar também de outro relato escandaloso envolvendo líderes cristãos.
Há quase quinze anos, uma blitz realizada em um motel de Maceió (Al) trouxe repercussões surpreendentes. Durante uma operação de fiscalização do Juizado de menores, bateram à entrada do quarto 103, solicitando aos ocupantes que passassem as identidades por debaixo da porta; lá dentro, um senhor mulato argumentava, evitando atender à solicitação.
Uma vez que as autoridades ameaçassem entrar à força, o homem pediu à sua acompanhante que mentisse sobre sua idade: a menina de 14 anos, escolhida entre outras adolescentes que se prostituem nas calçadas de um bairro carente, contou às autoridades ter 17 anos - mas não soube dizer a data do próprio nascimento!
Autuado, o casal improvável chegou à delegacia apenas para que o pior fosse constatado: o homem encontrado com uma menor no motel era, na verdade, o monsenhor Edivar de Morais, reitor do seminário da cidade e respeitável religioso. Naquela mesma noite, o monsenhor completava 30 anos de sacerdócio.
Não poucos saíram em defesa do religioso. O padre Henrique Soares da Costa, orientador espiritual do mesmo seminário, protegeu o colega ao afirmar que todos são passíveis de cair; para ele, "infelizmente ainda não inventaram uma vacina capaz de nos deixar imunes ao pecado".[1] Essa afirmação soa como um contrassenso, uma vez proferida por um religioso. Afinal, de que maneira esperar que a igreja instituída dê uma solução ao mal, se ela se vê vulnerável ao pecado tanto quanto as pessoas não-religiosas?
Por mais que a última afirmação pareça soar demasiadamente generalizada, temos que nos lembrar dos polêmicos casos de pedofilia entre padres ao redor do mundo e rememorar também os escândalos de corrupção entre líderes evangélicos. Isso nos faz questionar até que ponto os cristãos estão vencendo ou sendo vencidos pelo mal. É oportuno que, antes mesmo desse questionamento, nos preocupemos com a questão fundamental: O que é o mal?
Os caçadores do mal perdido
A definição mais lógica é a de que o mal é algo contrário ao bem. No entanto, mesmo a lógica tradicional se vê insuficiente em face da forma de se encarar a verdade no mundo pós-moderno. Conforme já vimos em outro lugar,[2] a ética do século 21 admite várias verdades, elegidas pelo indivíduo e legitimadas pela comunidade. Assim, não existiria uma verdade absoluta, universal; apenas o que é útil ao indivíduo, que pode remodelar ou descartar seus próprios conceitos ao bel-prazer.
Some-se a isso o fato de que o avanço tecnológico acarretou um clima de otimismo, capaz de invalidar ou reduzir a presença do mal no mundo, acreditando que o progresso material chegará ao ponto de banir a desordem, a criminalidade e aumentar simultaneamente o nível de satisfação com os propósitos pessoais.
Com esse otimismo, surge a ilusão de que se pode ser feliz nesta vida (para muitos, encarada como a única existência possível). Como constatou certo sociólogo: "O valor mais característico da sociedade de consumidores, na verdade seu valor supremo, em relação ao qual todos os outros são instados a justificar seu mérito, é uma vida feliz. A sociedade de consumidores talvez seja a única na história humana a prometer felicidade na vida terrena, aqui e agora e a cada ‘agora' sucessivo. Em suma, uma felicidade instantânea e perpétua."[3] O otimismo consumista deságua em cegueira crônica, enfatizando comportamentos positivos e fechando os olhos para o lado perturbadoramente caótico do homem.
Leia também a 2ª parte aqui
e a 3ª parte aqui
[1] Reencontrei esta história em http://www.terra.com.br/istoe/capa/141933a.htm
[3]Zygmunt Bauman, "Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias" (Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 2007), p. 60.
Nenhum comentário:
Postar um comentário