O SBT vem confirmando a vocação de remaker do sucesso alheio. A emissora de Sílvio Santos se especializou em copiar fórmulas de programas estrangeiros – vide o emburrecedor 10 anos mais jovem e o constrangedor Esquadrão da Moda. Inaugurado ontem, Qual é o seu talento? é mais outro exemplo desta tendência. Na verdade, o novo programa não passa de uma reciclagem de Ídolos (que também já se chamou Astros).
Agora, os candidatos não precisam ser necessariamente aspirantes a cantores. Para se apresentar, basta ter um talento, o que inclui sapatear, fazer malabarismos, coreografias, etc.
Talvez a melhor surpresa para o telespectador ocorrera com a presença do tenor Márcio Sena. E até nisto se fez notar a falta de originalidade de Talento: o próprio Márcio deu um depoimento antes da apresentação, falando de seu esforço em estudar canto lírico na Bélgica e a perda de seu pai, um mês antes de seu regresso ao Brasil. A aura que se criou remete a dos ganhadores de programas similares, dentro daquele gênero “talento inesperado de uma pessoa comum”.
Justamente no momento em que mencionou sua profissão – limpador de vidros – , Márcio causou um sentimento misto de graça e piedade na plateia. Parecia que estávamos novamente diante de Paul Potter, o vendedor de celular que faturou uma edição de Britain's got Talent, programa inglês, irmão de Talento. Após a audição de Márcio, o apresentador André Vasco ressaltou ser cedo para afirmar que o cantor seria a nossa Susan Boyle – referência à escocesa que demonstrou neste ano, no mesmo Britain's got Talent, um talento diametralmente oposto à beleza!
Por outro lado, não quero insinuar insinceridade da parte de Márcio Sena. Muito menos, quero discutir seu talento. De fato, o rapaz tem uma bela voz e cantou com naturalidade trechos de Ch’ella mi creda de Puccini, uma ária para poucos. Quando o jurado Miranda pediu outra música, Márcio não se fez de rogado: sob aplausos e manifestações histéricas, cantou a famosa Nessun Dorma.
Para quem já ouviu intérpretes do quilate de Andrea Bocelli, Plácido Domingo ou o saudoso Luciano Pavarotti cantar as mesmas músicas, certamente não houve assombro diante da voz de Márcio (e me arriscaria dizer, nem mesmo com a de Potter na Inglaterra). Ainda assim, o rapaz é competente, tem uma técnica cuidadosa e deixou sua marca. Só não se sabe se ele será valorizado diante de jurados que, por conhecerem o mercado fonográfico brasileiro, dificilmente optam por cantores líricos. Pode-se dizer que a ovação do público foi resultado mais da surpresa do momento do que de legítima apreciação pela música erudita.
Pelo menos, quanto a este quesito, esperamos algumas diferenças de Talento em relação aos programas estrangeiros: cantores como Boyle ou Potter dificilmente seriam ganhadores na terra de pagodeiros e funkeiros. Ninguém aqui se preocupa se o cantor sabe ou não cantar, desde que o som seja alto e todos estejam dançando…
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