quinta-feira, 1 de abril de 2010

HISTÓRIAS DO PESCADOR VALDEMIRO

O apóstolo Valdemiro Santiago em pregação televisiva: "trízimo" e banho de suor nos fiéis


O que fizeram os protestantes em prol da exegese, promovendo o método histórico-gramatical, desfizeram os pentecostais, regredindo para o método alegórico (da era medieval). Interpretar a Bíblia se tornou não uma atividade espiritual criteriosa, mas um jogo de malabares em favor da ética do toma-lá-dá-cá. Você quer a cura do câncer, ficar livre do “encosto”, o sucesso financeiro e um casamento abençoado? Então, abra a carteira, e dê tudo, tudinho, porque Deus vai reprimir o devorador e abrir os celeiros do Céu.

A maior parte da pregação não trata de temas bíblicos que constituem a mensagem cristã tradicional. O que interessa os bispos e apóstolos é o seu dinheiro, e eles não se furtarão (o termo aqui vem toda a dubiedade) de usar textos bíblicos para legitimar os veementes apelos financeiros.

Nem adiantaria perguntar, porque nenhum destes crentes revolucionários faz a menor ideia de quem foram Herman Dooyeweerd, Oscar Cullmann e Paul tillich, porque a revolução deles descarta a necessidade de razoável reflexão teológica. “O Espírito vivifica, a letra mata”, arrematarão, confirmando o caminho (anti-) exegético que apontamos acima.

Esse evangelho da picaragem, do mau-caratismo, não tem nada que ver com a good news – trata-se de worse news. Entretanto, cresce assustadoramente. A cada vez, um líder religioso emergente trilha o caminho de expansão no número de templos, agressiva campanha midiática – o que inclui crescimento de espaço em emissoras abertas, compra de emissoras próprias e aquisição de gravadoras –, além de escândalos judiciais.

Recentemente, Valdemiro Santiago ganhou as páginas da revista Época, numa extensa reportagem que analisa as controvérsias sobre seu “ministério”[1]. Embora o nome sugira que estamos diante de um cantor brega, vale dizer que Valdemiro é apóstolo, ou, ao menos, assim se denomina.

Dissidente da Igreja Universal do Reino de Deus, Valdemiro fundou a Igreja Mundial do poder de Deus. No site da denominação, a seção Em que cremos apresenta apenas três itens. Toma um deles para ilustrar a debilidade com que uma doutrina bíblica é apresentada:

A Santa Ceia é feita a partir dos seguintes mandamentos:

1 • Senhor Jesus pegou o pão e o abençoou;
2 • Senhor Jesus partiu o pão;
3 • Senhor Jesus distribuiu o pão entre eles.

Que significam:

1 • Senhor Jesus nos pega e nos abençoa;
2 • Senhor Jesus nos quebra como o vaso do oleiro (tirando orgulho, vaidade, etc...);
3 • Senhor Jesus nos envia para testemunhar seus milagres e evangelho. [2]

Não se requer amplo background teológico para perceber a confusão da ceia do Senhor com a multiplicação de pães, dois eventos distintos! Teólogos como o reformado Zuínglio até traçaram paralelo entre as declarações de Jesus sobre o binômio carne/pão feitas em ambas as ocasiões (Jo 6:51; Mt 26:26) [3]; ainda assim, a instituição da ceia não se deu com o milagre dos pães. Outro agravante: a aplicação das verdades (seu significado para o crente hoje) são expostos de forma alegórica, desrespeitando as intenções do texto, que serve apenas a propósitos denominacionais.

A despeito de apresentar teologia precária, a Igreja Mundial cresce a passos largos. E há um fator curioso em seu processo de crescimento: a igreja tem pescado “‘no próprio aquário dos evangélicos’” [4]. Paulo Romeiro, estudioso evangélico do pentecostalismo, afirma na reportagem de Época que “‘mais de 50% dos membros da Mundial saíram da Universal, uns 30% da Internacional da Graça e o resto das demais evangélicas ou outras religiões’” [5].

A fama de milagroso do apóstolo Valdemiro Santiago contribui para atrair as massas. O próprio Romeiro é quem explica a crença pentecostal sobre a cura: “Para muitos pregadores da teologia da prosperidade, as doenças não têm relação com problemas hereditários, condições do meio ambiente ou do contexto social e geográfico em que vive o doente. Em outras palavras, as enfermidades não são provocadas por agentes físicos, mas espirituais. Assim, as armas para combater as enfermidades não devem ser físicas, mas espirituais.” [6]

Valdemiro, que tem pescado em aquário alheio com sucesso, tem boas histórias para contar. Como todo bom pescador, é provável que ele exagere um pouco. Sobreviveu a um naufrágio em Moçambique, nadando 8 horas, contra a força de ondas, tubarões e águas-vivas descomunais; o apóstolo também sobreviveu à queda do 8o andar de uma obra e à uma explos, a qual teria lançado seu carro uns 3 metros para cima. O fundador da Mundial ainda exparge suor pelos fieis, que o disputam como a um líquido milagroso e exige o dízimo de 30 % (o que chamam alguns de "trízimo") [7].

Obviamente, a habilidade retórica do apóstolo tem sido útil, não somente para angariar novos seguidores, como também para se explicar perante a Justiça. Época relembra a prisão de 3 pastores da igreja efetuadas no início de Março pela Polícia Rodoviária, em Mato Grosso do Sul. Sebastião Braz da Fonseca Neto, e Felipe Jorge da Silva Freitas foram detidos pelo porte de armas e confessaram que um terceiro ministro, Francisco Ferreira de Moura, os aguardava em Campo Grande (MS). Os três admitiram que as armas seriam levadas para o Rio de Janeiro e que receberiam R$ 20 mil para trasportá-las [8].

O próprio Valdemiro Santiago não se restringe à pesca, mas pratica a caça – ou isso, ou não conseguiu outra explicação melhor para apresentar à polícia, quando flagrado com porte ilegal de armas [9]. E pensar que cristãos tinham na Bíblia sua única arma! Mas, pelo visto, em tempos em que as Escriturass judaico-cristãs não passam de mera coleção de alegorias úteis para suster a ganância de bispos e apóstolos, a tendência é confiar no poder de outras armas. Sinal de que o evangelho de nosso tempo reproduz com exatidão todos vícios e defeitos da sociedade de consumo, ao invés de reformá-la.
Leia também:
[1] Mariana Sanches e Ricardo Mendonça, Milagres e Milhões, Época, 29 de Março de 2010, no 619, pp. 56-65. De agora em diante, M&ME.
[2]http://www.impd.com.br/emquecremos.asp
[3] J. H. Merle D’aubigné, História da Reforma Protestante do décimo-sexto século (São Paulo, SP: Casa Editora Presbiteriana, s/d), p. 93.
[4] M&ME, p.58.
[5] Idem.
[6] Paulo Romeiro, Decepcionado com a graça: esperanças e frustrações no Brasil neopentecostal (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2005), p. 102.
[7] M&ME, p.58-59, 60-61.
[8] M&ME, p.61. Ver igualmente Fábio Gusmão (ed.), Pastores são presos com fuzis que vinham para o Rio, diponível em http://extra.globo.com/geral/casodepolicia/posts/2010/03/11/pastores-sao-presos-com-fuzis-que-vinham-para-rio-273698.asp.
[9] M&ME, p.62.

Um comentário:

Anônimo disse...

Solange - IASD Joinville

Hoje, por acaso, trocando de canal, me deparei com um culto da Igreja Mundial com o Pastor Valdemiro. Ele estava entrevistando uma moça que havia ganhado um carro após dar de oferta a igreja R$100,00. Logo após o testemunho o Pastor perguntou a igreja o que deveria fazer para convencer os membros de nesta semana ofertar no mínimo o valor de R$100,00 para que a obra avançasse. O Pastor disse que se fosse necessário, realizaria milagres para convencer os espectadores.
Quanta diferença entre o dito "Pastor" e a humildade de Jesus. Cristo quando realizava um milagre não pedia nada em troca. Em diversas situações relatadas na Palavra de Deus, Jesus solicitava que o "beneficiado" não contasse o que lhe havia acontecido.
" Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticai a iniquidade." Mateus 7:22 e 23