De
mãos dadas com a sua mulher, o homem negro avança com nobreza até a saída da
penitenciária. A imprensa e o povo se espremem na tentativa de vê-lo, acenando
entre sorrisos confiantes. Os quase trinta anos de detenção não amenizaram as
marcas de intrepidez no rosto de alguém que lutou pelo povo – uma luta pelo
direito de voz e voto, de liberdade e cidadania, de justiça e igualdade para o
homem negro. Era o fim do apartheid,
regime que na África do Sul segregava desumanamente as pessoas de acordo com
suas raças. As pressões internacionais aliadas às revoltas populares
consolidavam a libertação de um dos maiores vultos do século XX: Nelson
Mandela.
Ao
longo da História, apenas poucos homens abraçaram causas humanitárias com tanto
destemor e abnegação como Mandela. Isto porque é natural a todos nós buscar
aquilo que é de nosso interesse, ao invés da procura por interesses alheios.
Por este fator, a vida dos heróis que lutaram por seus países, povos ou grupos
sociais nos emociona tanto!
Semelhante
em disposição a Mandela, um estadista hebreu abriu mão de seus interesses, com
o objetivo de priorizar o seu povo. Os judeus sofriam em exílio, inseridos em
uma realidade mais atroz do que a enfrentada por homens e mulheres negros
contemporâneos de Nelson Mandela. Tendo servido na corte desde a época de
Nabucodonosor, o profeta Daniel permanecia na política, mesmo após a
substituição da dominação babilônica pelo comando do império Medo-Persa. Na
ótica do mensageiro de Deus, parecia que o cativeiro era interminável. Embora
soubesse, pelo estudo das profecias de Jeremias (Jr 29:10) que o exílio duraria
70 anos, Daniel sentia-se inseguro, uma vez que nada em seu horizonte apontava
para o final do cativeiro.
Uma
possibilidade começou a se desenhar na mente daquele estadista experiente: será
que o cativeiro não estava sendo postergado devido aos pecados do povo? Afinal,
a própria razão de ser da condição dos judeus, arrastados para um país
estrangeiro, tinha explicação na extrema rebeldia nacional, que os levara a
rejeitar coletivamente a mensagem divina através de vários profetas, entre os
quais contava-se o próprio Jeremias (2 Cr 36:15-21). Se o comportamento rebelde
da nação se repetisse, como Deus poderia abençoá-los?
Como
você é capaz de notar, Daniel, a quem a Bíblia não atribui nenhum erro
específico e que sempre procurou manter uma conduta exemplar, tinha motivos
suficientes para criticar a postura de seus compatriotas. Aliás, não é assim
que agimos ao perceber erros na forma como a liderança da igreja atua? Não
criticamos os organizadores quando o culto jovem fica aquém do esperado? Numa
geração marcadamente influenciada pelo padrão de qualidade das emissoras de
televisão, a exigência é constante. Temos uma percepção mais crítica em relação
às atividades da igreja. Mas não para por aí. Tendemos a criticar indivíduos
por suas deficiências e fracassos. Esse espírito corrosivo, invariavelmente,
volta-se contra nós mesmos, agindo como um ácido sobre a espiritualidade – já
que a crítica aos que nos rodeiam tira o foco de nós mesmos, deixamos de
enxergar a “trave” de nosso olho enquanto reparamos no cisco que invade a
retina do próximo (Lc 6:42)…
Daniel,
felizmente, tinha outra mentalidade; ele resolveu orar por seu povo. Não foi
uma corriqueira oração antes do almoço – Daniel realmente orou! Ele jejuou e
deixou de usar as glamorosas roupas da realeza, passando a se cobrir com um
tecido áspero, além de jogar terra sobre a própria cabeça, em sinal de humilhação
na presença do Senhor. (Dn 9:3)
Por
favor, não deixe esta cena passar despercebida: Daniel intercede pelo seu povo.
Em sua oração, não há discriminação entre ele e Israel como um todo; os pecados
são confessados em nome de um “nós”, que engloba indistintamente Daniel e toda
a comunidade da qual ele fazia parte. Que auto-conceito equilibrado Daniel
manifestou possuir! Longe de qualquer sentimento de prepotência ou arrogância,
ele se inclui entre aqueles que necessitam de restauração espiritual (Dn
9:4-8).
Simultaneamente,
o profeta e estadista revela um senso peculiar de dependência divina. Sua
confiança na palavra de Deus confiada a Moisés praticamente dirige o raciocínio
desta comovente oração (Dn 9:11-13).
Quando
a nossa disposição é orar ao invés de criticar, algumas coisas mudam,
primeiramente em termos de suprimento relativo às necessidades que nós temos.
Deus nos atende quando vê não egoísmo, mas altruísmo no coração que ora.
Afinal, ele sabe que, ao responder a prece do altruísta, a bênção se
multiplicará, porque será repartida com outras pessoas. Não quer você também
permitir que o Espírito Santo crie em você o desejo de interceder pelos anelos
e urgências de outros? Deus o convida agora para olhar para algo maior do que o
seu próprio umbigo – a mão estendida de quem carece do seu melhor!
Um comentário:
Infelizmente criticar é mais fácil e autossuficiente. Oração demanda submissão e espera. E quem quer esperar hoje em dia?
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