domingo, 28 de fevereiro de 2010

A BATALHA É MUITO MAIS ANTIGA




Eu me encontrava em uma cidade do Rio Grande do Sul, realizando meu estágio em evangelismo. Naquele dia, um membro de igreja se ofereceu para me acompanhar na visitação aos simpatizantes de nossa denominação. Logo na primeira casa em que entramos, enfrentei uma situação que me pegou completamente despreparado!
Meu acompanhante, um senhor de meia-idade, tinha um relacionamento familiar complicado, com poucas oportunidades para falar e ser ouvido (como vim a descobrir posteriormente). Por este fator, não demorou muito para que ele começasse a falar incontrolavelmente por quase vinte minutos! Aquele homem bondoso, mas pouco estudado, certamente estava munido das melhores intenções.
O que realmente me chamou a atenção foi uma das “provas” usadas por ele para convencer a pessoa que estávamos visitando: o cumprimento de Daniel 8. Para o senhor adventista que estava comigo, Daniel oito se cumpriu quando um avião do grupo terrorista da Al Qaeda (o bode voador) quebrou as duas torres do World Trade Center (os dois chifres do carneiro). O ano era 2001 e o maior atentado da História tivera lugar a menos de dois meses!
Aquela interpretação curiosa da profecia foi muito difundida nos meios evangélicos; talvez por isso, alguns dos próprios membros adventistas, por falta de informação, a tenham adotado, embora não seja a forma adventista de ver o cumprimento de Daniel 8. E aqui é preciso dizer que uma interpretação só é válida quando faz com que se “encaixem” todos os detalhes encontrados em um determinado texto (esta regra simples pode ser aplicada a praticamente qualquer interpretação de qualquer livro). Este conceito está presente na velha máxima, segundo a qual “A Bíblia é sua própria intérprete”. Então, cabe a pergunta: como interpretar Daniel 8 à luz da própria Bíblia?
No capítulo 8, vemos imediatamente dois animais: um carneiro invencível, com dois chifres, sendo que um era maior do que o outro (Dn 8:3-4); o outro animal, um bode com um chifre notável, era tão rápido que nem sequer tocava no chão (Dn 8:5-7). Poderíamos “quebrar a cabeça”, na tentativa de adivinhar de que a profecia está tratando. A boa notícia, porém, é que o capítulo 8 se explica sozinho. O carneiro é identificado com o reino da Medo-Pérsia (Dn 8:20), que já estava em ascensão nesta época e viria a se tornar o próximo grande império, de acordo com a sequência que vimos nos capítulos 2 e 7. Babilônia, o primeiro destes impérios, não aparece representada por nenhum símbolo, provavelmente porque já se achava em declínio.
O segundo animal é o poder grego (Dn 8:21-22). Novamente a principal liderança grega, personificada por Alexandre, o Grande, dá lugar a uma liderança múltipla (o grande chifre cai, sendo substituído por quatro chifres – os quatro generais que sucederam Alexandre após sua morte, você se lembra?). Já deu para perceber que o conflito retratado no capítulo 8 de Daniel não envolve os EUA e os terroristas islâmicos; estamos diante de um conflito muito mais antigo…
Mas não é só isso. Surgiria ainda um terceiro poder. E, mais uma vez, temos de prestar atenção nos detalhes, para interpretar corretamente a Bíblia. Vamos ler os versículos 8 e 9 da profecia: “O bode [que já sabemos que se refere à Grécia] se engrandeceu sobremaneira; estando, porém, na sua maior força, aquele grande chifre foi quebrado [a morte de Alexandre, o grande], e surgiram no seu lugar quatro também notáveis [os quatro generais que dividiram o império grego entre si], para os quatro ventos do céu [isto é, para todas as regiões da Terra]. De um deles saiu um chifre pequeno, o qual cresceu muito para o sul, para o oriente e para a terra formosa.”
A pergunta é: de onde vem o chifre pequeno? O texto diz que o chifre pequeno sai “de um deles”. Do modo como a frase se acha em nossas Bíblias, temos duas possibilidades: 1) o pequeno chifre sai de um dos quatro chifres ou 2) O pequeno chifre sai de um dos quatro ventos. Antes de prosseguirmos, alguém poderia perguntar: saber de onde vem o chifre pequeno faz alguma diferença?
Faz, sim! Veja as consequências das duas interpretações: Se eu aceito que o pequeno chifre sai de um dos quatro chifres (interpretação número 1), tenho que admitir que o pequeno chifre é parte do império grego, já que os quatro chifres nada mais representam do que os quatro generais de Alexandre, ou seja, a continuidade do império Greco-Macedônico.
De fato, os evangélicos em geral aceitam esta interpretação. Quem seria então o chifre pequeno para muitos cristãos? Um rei medíocre da dinastia dos selêucidas (originária de Seleuco, um dos quatro generais de Alexandre) chamado Antíoco Epifânio. Ocorre, porém, que Epifânio não cumpre todas as exigências da profecia. A prosperidade por um longo tempo (Dn 8:12) não descreve seu reinado de altos e baixos. Outro argumento contrário a esta interpretação é que o próprio Jesus, reportando-se a esta profecia, alegou que a “abominação desoladora” ainda iria acontecer e Epifânio reinou de 175 a 164 a.C. Como Jesus poderia se enganar tanto em relação a interpretação de Daniel capítulo 8?
Resta pensarmos na segunda alternativa (interpretação número 2): o pequeno chifre sai de um dos quatro ventos. Mas seria esta interpretação adequada ou apenas “menos ruim” do que a primeira? Pare e pense: os quatro ventos simbolizam as quatro regiões da Terra. Assim, podemos concluir que o chifre pequeno surge de um dos quatro pontos cardeais. Logo, ele é um poder novo, distinto de Roma. Isto combina com o que já vimos em Daniel 2 e 7. A mesma sequência de impérios mundiais aparece em todos os capítulos estudados (com a omissão justificada de Babilônia). O poder romano (que se segue à Grécia, tanto em Daniel 2, 7, como no capítulo 8), em sua fase papal, corresponde às características que a profecia atribui ao chifre pequeno, o qual iria 1) engrandecer-se (Dn 8:10), 2) substituir o sacrifício de Cristo (v. 11, 25), 3) ter sucesso em sua oposição à Verdade (v.12, 24) e 4) perseguir o povo de Deus (v. 24).
Como endosso a esta segunda interpretação, há um dado importante: as línguas escritas apresentam a ideia básica de concordância de gêneros. Ninguém diz: “Minha tia é bonito”, por exemplo. Masculino concorda com masculino e feminino com feminino. Esta constatação óbvia nos ajuda a entender melhor o que Daniel escreveu. Em Português, tanto “chifres” como “ventos” são palavras masculinas, o que torna a expressão “de um deles” dúbia. Mas na língua original, a palavra correspondente a “chifres” é feminina, enquanto as demais são masculinas, o que não deixa dúvidas quanto ao fato de que o chifre pequeno surge de um dos quatro ventos (C. Mervin Maxwell, “Uma nova era segundo as profecias de Daniel”, p. 158).
À semelhança do que ocorre em Daniel 7, vemos que a ação de um pode maléfico desperta uma reação divina. E isto nos leva a um diálogo singular em Daniel 8. Dois anjos estão conversando. Um deles pergunta sobre a duração do sucesso de Roma papal em se opor a Deus e Seu povo. Até quando o mal prosperaria? “Até duas mil trezentas tardes e manhãs, e o santuário será purificado”, responde o segundo anjo.

Não se trata apenas de chifres, animais exóticos, anjos e perseguições; estamos diante do desdobramento do grande conflito. Verdades ignoradas por muito tempo seriam revitalizadas. Um Deus justo acionaria Seu julgamento para condenar o poder romano e reivindicar a causa de Seus seguidores fiéis. Daniel 8 revela a luta entre o bem e o mal. A batalha é muito mais antiga do que muitos podem entender em uma leitura superficial do texto. E o mais importante, dentro desta batalha, é que você escolha de que lado vai lutar.

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