Sabe quando as pessoas têm vergonha de olhar para você? Sabe quando todos lhe devem em silêncio, e ficam com medo de reviver seus erros a cada vez que seus olhares encontram com o seu? As pessoas têm vergonha de olhar Dolores. Hoje é domingo e a vergonha do católico cresce ainda mais.
Esse domingo boceja luz. Dolores saiu vagarosamente pelo portão de ferro. Ligou o ipod. Maria Betânia lhe aconselhava a conhecer as manhas e as manhãs. Dona Lourde fitava de longe a menina em sua peregrinação à padaria.
Era 7:30 e o pãozinho cheirava a pronto. Seu Dimas, com toda a vergonha do mundo por vê-la, e ela sorrindo, num bom dia sem reservas. Ela esperava o troco, quando ele quis se desculpar; algo na atitude dela lhe dizia que não precisava, que ele fez o melhor para consolar o amigo, sem prever que o convite para uma cervejinha se tornaria causa de um acidente tão cruel. Dimas sorri, sem graça, e acompanha a moça, que sai com dificuldade. O que ele poderia dizer mais?
O caminhão de Jorge está encostado na garagem. O senhor de cabelos grisalhos e ombros rotundos estuda deixar a preguiça e jogar uma água na Scania. Quando ele se voltou para a rua, Dolores passava por ali. Jorge baixou os olhos, mas já era tarde. Não poderia fingir distração ou agredí-la com seu descaso. Olhou timidamente e balançou a cabeça, querendo parecer seguro.
Dolores estava graciosa e serena. Via-se uma alegria no seu cumprimento, sem que ela ousasse falar algo. Já passaram por isso antes, bem na época em que a família fez pressão para que Jorge se tratasse nos Alcoólicos Anônimos antes de voltar à estrada.
“Bom dia, Dona Lourdes”. Com essa sim Dolores falava sem prejuízo. “Oi, meu anjo. Como você está?” “Tocando em frente, sempre tocando em frente…” Lourdes não conseguia sequer sentir pena, tão digna a menina se portava.
“Sabe, você é especial, garota”, reencetava a dona-de-casa, com a voz que pigarreava para anunciar suas quase oito décadas de vida. “Não sei como consegue, verdade. Já tentei entender. Como olha para estas pessoas? Quer dizer, você não deixou de ir à padaria e sempre passa na frente da casa do bebum. Qualquer outro teria ódio, cuspiria neles, xingaria, sei lá. Mas você, você não faz nada disso. Até os cumprimenta, valha-me-Deus!”
Dolores sorriu, purinha e sem contrariedade. “E por que eu deveria odiá-los?”
“Ora, porque é natural. Eles fizeram isto com você; tinham que pagar sofrer. Não é justo que vivam normalmente.”
“Sabe, Dona Lourdes, se eu fechar a cara para eles, não muda nada. E, pelo que vejo, eles já sofrem o sufiente. Aliás, suspeito que eu seja a única dos três que pode dizer que possui uma vida normal.”
“Eu não compreendo…”
“Bem, preciso ir. Meu pai gosto do pão quente. Até outro dia.”
Dona Lourdes olhava estarrecida para Dolores, enquanto ela empurrava sua cadeira de rodas, sempre tocando em frente.
Esse domingo boceja luz. Dolores saiu vagarosamente pelo portão de ferro. Ligou o ipod. Maria Betânia lhe aconselhava a conhecer as manhas e as manhãs. Dona Lourde fitava de longe a menina em sua peregrinação à padaria.
Era 7:30 e o pãozinho cheirava a pronto. Seu Dimas, com toda a vergonha do mundo por vê-la, e ela sorrindo, num bom dia sem reservas. Ela esperava o troco, quando ele quis se desculpar; algo na atitude dela lhe dizia que não precisava, que ele fez o melhor para consolar o amigo, sem prever que o convite para uma cervejinha se tornaria causa de um acidente tão cruel. Dimas sorri, sem graça, e acompanha a moça, que sai com dificuldade. O que ele poderia dizer mais?
O caminhão de Jorge está encostado na garagem. O senhor de cabelos grisalhos e ombros rotundos estuda deixar a preguiça e jogar uma água na Scania. Quando ele se voltou para a rua, Dolores passava por ali. Jorge baixou os olhos, mas já era tarde. Não poderia fingir distração ou agredí-la com seu descaso. Olhou timidamente e balançou a cabeça, querendo parecer seguro.
Dolores estava graciosa e serena. Via-se uma alegria no seu cumprimento, sem que ela ousasse falar algo. Já passaram por isso antes, bem na época em que a família fez pressão para que Jorge se tratasse nos Alcoólicos Anônimos antes de voltar à estrada.
“Bom dia, Dona Lourdes”. Com essa sim Dolores falava sem prejuízo. “Oi, meu anjo. Como você está?” “Tocando em frente, sempre tocando em frente…” Lourdes não conseguia sequer sentir pena, tão digna a menina se portava.
“Sabe, você é especial, garota”, reencetava a dona-de-casa, com a voz que pigarreava para anunciar suas quase oito décadas de vida. “Não sei como consegue, verdade. Já tentei entender. Como olha para estas pessoas? Quer dizer, você não deixou de ir à padaria e sempre passa na frente da casa do bebum. Qualquer outro teria ódio, cuspiria neles, xingaria, sei lá. Mas você, você não faz nada disso. Até os cumprimenta, valha-me-Deus!”
Dolores sorriu, purinha e sem contrariedade. “E por que eu deveria odiá-los?”
“Ora, porque é natural. Eles fizeram isto com você; tinham que pagar sofrer. Não é justo que vivam normalmente.”
“Sabe, Dona Lourdes, se eu fechar a cara para eles, não muda nada. E, pelo que vejo, eles já sofrem o sufiente. Aliás, suspeito que eu seja a única dos três que pode dizer que possui uma vida normal.”
“Eu não compreendo…”
“Bem, preciso ir. Meu pai gosto do pão quente. Até outro dia.”
Dona Lourdes olhava estarrecida para Dolores, enquanto ela empurrava sua cadeira de rodas, sempre tocando em frente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário