“Nosso lar não é aqui”. Ouvimos isso
constantemente no meio cristão. O sentido é óbvio: temos uma esperança para
além desse mundo. Ao mesmo tempo, essa espécie de jargão religioso acaba
confundindo. Não me refiro à reação de não-cristãos (alguém diria, em tom de
gracejo, que os seguidores de Jesus são ETs assumidos!); a confusão maior
parece se dar com os próprios adeptos da cruz.
Embora o
mundo se apresente manchado pelo mal, e tragédias apontem para um fim próximo
do mundo físico como o conhecemos, temos que ter cautela. Ao assumir que não
pertencemos definitivamente a esse mundo, não podemos nos olvidar que
temporariamente estamos no mundo. E enquanto estivermos, temos de viver de
forma qualitativamente superior em comparação com aqueles que se pautam por
outras perspectivas, quer religiosas, quer filosóficas.
A recusa em
pertencer a esse mundo jamais deve expressar certo niilismo sutil, em virtude
de decepções pessoais ou de perdas, em qualquer âmbito; afinal, o que nos move
a ser cristãos? Apenas o fato de não termos um emprego melhor, uma casa maior
ou um carro mais novo?
São coisas
como as citadas que provocam o sentimento de não estar à vontade no mundo? É
uma inferiorização de nossa pessoa ou valores que nos força a resistir à ideia
de viver apenas a vida presente? Se for o caso, Nietzsche estaria correto ao
atrelar aos seguidores de Cristo a chamada “moral de escravo” – uma frustração
que forçaria um nivelamento por baixo da Humanidade.
Acredito que
a razão maior para desejar outro lar é a identificação com Cristo: “Se o mundo
vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, me odiou a mim.” (Jo 15:18). A
perseguição contra os membros da família de Deus se explica como sendo um
reflexo da perseguição contra o próprio Jesus (v. 20); no entanto, felizes os
que se identificassem com Jesus e os profetas do passado, suportando idêntica
oposição (Mt 5:10-12).
No aspecto
positivo, a identificação com Jesus nos leva a buscar a herança prometida, e os
que desejam a herança são identificados por Deus como seus filhos (Hb
11:13-16). Logo, fecha-se um ciclo: nós nos identificamos com Deus, desejamos a
herança (a pátria superior) e Deus, em Pessoa, se identifica conosco.
Defendo
que essa perspectiva, longe de levar à alienação ou ufanismo, constitui uma
vigorosa visão, capaz de nortear a atuação de cristãos no mundo, de forma
distintiva – seja nas Artes Plásticas, na Literatura, nas Ciências, na
Medicina, na Música, na Política, etc. Mesmo que nosso lar não seja aqui, isso
não implica em recusa para viver de forma digna a vida atual, até como forma de
aliviar o sofrimento alheio, melhorar os serviços sociais, elevar os padrões
morais, representando por meio de todas essas maneiras a vontade divina,
enquanto nos preparamos para a existência futura – a qual será definitiva
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