Como pastor, já realizei algumas cerimônias fúnebres. Vi admiráveis coroas de flores. Faixas com elogios e honrarias. Despedidas comoventes. Entretanto, em muitos casos, as pessoas falecidas tiveram de esperar o velório para serem alvo de tamanha atenção e carinho! Como Jean-Baptiste Clamence, personagem de Albert Camus, refletiu: “[…] Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há obrigações.” [1]
Entretanto, vale acrescentar que Deus valoriza as pessoas quando estão vivas. Aliás, Deus Se importa com a nossa vida a ponto de Se comprometer conosco. De nossa parte, o Senhor também espera ver um compromisso com Ele. Mesmo quando um de Seus filhos fiéis morre, isso é mais precioso aos olhos de Deus do que a vida de quem está distante da fé bíblica. O capítulo 57 de Isaías faz essas e outras afirmações sobre vida e morte, mostrando que, enquanto respiramos, precisamos nos comprometer com o Deus verdadeiro. Passemos a refletir nas palavras de Isaías:
I – A morte do Justo: um comentarista diz que temos aqui “uma denúncia que acaba em promessa para o inocente” [2](cf.: Is 56:-12). Numa sociedade influenciada por paganismo, os homens de bens não são devidamente valorizados. Assim, não chega a estranhar que a morte do justo passe despercebida pelos homens (v. 1a) De fato, o profeta menciona em seu livro o desprezo de Israel à pessoa humana (Is 33:8).
Em contrapartida, o Senhor dá o diagnóstico: a morte do justo está relacionada com a injustiça (v. 1b). As traduções modernas e os comentaristas se dividem com respeito a essa relação; “[…] sem que ninguém veja que sob os golpes da maldade o justo é ceifado” (Is 57:1, Tradução Ecumênica Brasileira). Por esse prisma, o resultado da ação maléfica de um povo rebelde seria a morte dos justos [3]. Mas outras versões dizem que os justos são levados prematuramente à morte para não sofrerem o mal (Almeida Revista e Atualizada; Nova Versão Internacional) [4]. Seja como for, a maldade era a causa da morte dos fiéis.
Todavia, isso não dá razão ao desespero, porque a morte do justo antecipa sua recompensa dada por Deus (v.2). As escolhas que dignificam a Deus não se fazem em vão. Aqueles que se colocam ao lado de Deus nessa vida podem até descansar no sono do pó, entretanto, acordarão na luz da volta do Senhor Jesus.
II – A vida do injusto: morrer em Cristo é infinitamente mais louvável do que viver sem Ele. Para deixá-lo claro, Deus convoca os rebeldes (vv. 3-4). O povo zombava de pessoas que Deus considerava muito mais dignas do que eles (vv.1-2) [5]. Portanto, faz-se necessário que eles se vejam não aos seus próprios olhos, mas como Deus os vê.
Deus revisa os atos idólatras (vv. 5-10) “[…] O paganismo sempre esteve ligado ao animismo, isto é, com a crença que objetos ou lugares encarnavam a presença de espíritos.” [6] Assim, temos explicação para a menção de elementos como “terebintos”, “árvores frondosas”, “fendas de penhascos”, “pedras lisas”, entre outros.
Um teólogo afirmou: “[…] As diversificadas e imperfeitamente desenvolvidas ideias do supremo ser que prevalecem entre os homens são levadas em conta da melhor forma como falsas interpretações e percepções de uma convicção intuitiva comum a todos”, isto é, o conceito universal de que existe um Deus a ser adorado [7]. Faz sentido, portanto, que o homem, ser naturalmente religioso, quando se recusa a servir a Deus, precise adorar outra coisa em Seu lugar.
Fazendo desse modo, apesar da luz que possui,torna-se culpado diante de Deus. E Deus julga os atos pecaminosos (vv. 11-13). Os ídolos se mostrariam inúteis na hora do desespero. No caso de Israel, os deuses não impediriam que a nação fosse levada ao cativeiro na Babilônia. Hoje, se depositarmos nossas esperanças definitivas em qualquer coisa fora de Deus, sofremos decepção, revezes e fracasso.
III – A proposta de Deus para a nossa vida: Faz diferença adorar corretamente o Deus das Escrituras! No verso 14 “exorta-se com entusiasmo [Israel] ao regresso” [8]. Um Ser de amor, Criador e Regente do Universo, apela às suas criaturas para se voltarem a Ele.
Devemos reconhecer a singularidade divina (vv. 14-15). O pensador reformado Francis Schaeffer afirma que sempre houve deuses de dois tipos: infinitos (como no Oriente) ou pessoais (como no Ocidente). O Deus da Bíblia é Singular, sendo o Único que é Infinito-Pessoal [9]. O verso 15 é a demonstração precisa do que Schaeffer conceituou [10].
“Com efeito, a primeira coisa que ressalta na mensagem é a concepção de Javé como transcendente e sublime, mas que, por isso mesmo, é capaz de atender os daqui de baixo. […] no nível de ‘o alto’ se associam a eternidade e a sacralidade de Javé; no nível de ‘o baixo’, os triturados. O único verbo ativo neste v. 15 é o de ‘vivificar’, repetido duas vezes, que é precisamente a vontade desse Javé que habita tão alto.”[11]Essa condescendência divina é um verdadeiro milagre [12]!
Além de reconhecer a Deus, devemos buscar a misericórdia divina (vv.16-17). Apesar de permitir que Israel (e mesmo nós) colhesse os frutos de suas escolhas erradas, Deus não reteria deles Sua misericórdia para sempre. Grande é a compaixão de nosso Deus! Logo, devemos experimentar a restauração divina (vv. 18-19), que está ao nosso alcance. Deus prometeu dar a paz (shalom) para seu povo, o que envolve muito mais do que mera ausência de conflito: o Senhor quer devolver a nós a vida abençoada e harmoniosa que havia antes de o pecado trazer a ruptura entre os homens e Deus (Is 59:2).
Para tomarmos sabiamente a nossa decisão, devemos ter diante de nós as consequências da rejeição a Deus (vv. 20-21). Os perversos não possuem paz. Vivem agitados como o mar. Por mais que vivam e adquiram bens e possuam renome, não vivem satisfeitos, porque sua natureza incompleta reclama por aquilo que pode trazer vida à vida: a presença do Deus verdadeiro. Por Ele, importa viver e morrer, na certeza de que, em todo caso, a nossa vida está guardada em Cristo (Cl 3:3).
[1]Albert Camus, A queda (tradução de Valerie Rumjarek; Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, s/d), p. 28.
[2]L. Alonso Schökel e J.L. Sicre Diaz, Profetas I: Isaías-Jeremias (São Paulo, SP: Paulus, 1988), p. 362.
[3]J. Ridderbos, Isaías: Introdução e comentário (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 2006), 2a impressão da 2a edição, p. 464.
[4] S.J. Schwantes, O profeta do Evangelho: comentário sobre o livro de Isaías (Engenheiro Coelho, SP: Gráfica da União Central Brasileira, 1999), p. 148.
[5]J. Ridderbos,idem, p. 465.
[6] S.J. Schwantes, Idém.
[7] Augustus Hopkins Strong, Teologia Sistemática (São Paulo, SP: Hagnos, 2003), vol I, p. 100.
[8] J. Severino Croatto, Isaías: a palavra profética e sua releitura hermenêutica, vol. III: 56-66: a utopia da nova criação (Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002), p. 71.
[9] Francis Schaeffer, A morte da razão (São Paulo, SP:Aliança Bíblica Universitária do Brasil; São José dos Campos, SP: Editora Fiel da Missão Evangélica, 1989), 5a ed., p. 24.
[10] Outro exemplo bíblico se acha em Dn. 2:28, que apresenta a Deus como estando dos Céus, mas nem por isso impossibilitado de se comunicar através da revelação. Os exemplos são de minha responsabilidade, uma vez que Schaeffer não alude a nenhum verso bíblico específico.
[11]Idem, p. 72-73.
[12]J. Ridderbos, opus citada, p. 469.
Entretanto, vale acrescentar que Deus valoriza as pessoas quando estão vivas. Aliás, Deus Se importa com a nossa vida a ponto de Se comprometer conosco. De nossa parte, o Senhor também espera ver um compromisso com Ele. Mesmo quando um de Seus filhos fiéis morre, isso é mais precioso aos olhos de Deus do que a vida de quem está distante da fé bíblica. O capítulo 57 de Isaías faz essas e outras afirmações sobre vida e morte, mostrando que, enquanto respiramos, precisamos nos comprometer com o Deus verdadeiro. Passemos a refletir nas palavras de Isaías:
I – A morte do Justo: um comentarista diz que temos aqui “uma denúncia que acaba em promessa para o inocente” [2](cf.: Is 56:-12). Numa sociedade influenciada por paganismo, os homens de bens não são devidamente valorizados. Assim, não chega a estranhar que a morte do justo passe despercebida pelos homens (v. 1a) De fato, o profeta menciona em seu livro o desprezo de Israel à pessoa humana (Is 33:8).
Em contrapartida, o Senhor dá o diagnóstico: a morte do justo está relacionada com a injustiça (v. 1b). As traduções modernas e os comentaristas se dividem com respeito a essa relação; “[…] sem que ninguém veja que sob os golpes da maldade o justo é ceifado” (Is 57:1, Tradução Ecumênica Brasileira). Por esse prisma, o resultado da ação maléfica de um povo rebelde seria a morte dos justos [3]. Mas outras versões dizem que os justos são levados prematuramente à morte para não sofrerem o mal (Almeida Revista e Atualizada; Nova Versão Internacional) [4]. Seja como for, a maldade era a causa da morte dos fiéis.
Todavia, isso não dá razão ao desespero, porque a morte do justo antecipa sua recompensa dada por Deus (v.2). As escolhas que dignificam a Deus não se fazem em vão. Aqueles que se colocam ao lado de Deus nessa vida podem até descansar no sono do pó, entretanto, acordarão na luz da volta do Senhor Jesus.
II – A vida do injusto: morrer em Cristo é infinitamente mais louvável do que viver sem Ele. Para deixá-lo claro, Deus convoca os rebeldes (vv. 3-4). O povo zombava de pessoas que Deus considerava muito mais dignas do que eles (vv.1-2) [5]. Portanto, faz-se necessário que eles se vejam não aos seus próprios olhos, mas como Deus os vê.
Deus revisa os atos idólatras (vv. 5-10) “[…] O paganismo sempre esteve ligado ao animismo, isto é, com a crença que objetos ou lugares encarnavam a presença de espíritos.” [6] Assim, temos explicação para a menção de elementos como “terebintos”, “árvores frondosas”, “fendas de penhascos”, “pedras lisas”, entre outros.
Um teólogo afirmou: “[…] As diversificadas e imperfeitamente desenvolvidas ideias do supremo ser que prevalecem entre os homens são levadas em conta da melhor forma como falsas interpretações e percepções de uma convicção intuitiva comum a todos”, isto é, o conceito universal de que existe um Deus a ser adorado [7]. Faz sentido, portanto, que o homem, ser naturalmente religioso, quando se recusa a servir a Deus, precise adorar outra coisa em Seu lugar.
Fazendo desse modo, apesar da luz que possui,torna-se culpado diante de Deus. E Deus julga os atos pecaminosos (vv. 11-13). Os ídolos se mostrariam inúteis na hora do desespero. No caso de Israel, os deuses não impediriam que a nação fosse levada ao cativeiro na Babilônia. Hoje, se depositarmos nossas esperanças definitivas em qualquer coisa fora de Deus, sofremos decepção, revezes e fracasso.
III – A proposta de Deus para a nossa vida: Faz diferença adorar corretamente o Deus das Escrituras! No verso 14 “exorta-se com entusiasmo [Israel] ao regresso” [8]. Um Ser de amor, Criador e Regente do Universo, apela às suas criaturas para se voltarem a Ele.
Devemos reconhecer a singularidade divina (vv. 14-15). O pensador reformado Francis Schaeffer afirma que sempre houve deuses de dois tipos: infinitos (como no Oriente) ou pessoais (como no Ocidente). O Deus da Bíblia é Singular, sendo o Único que é Infinito-Pessoal [9]. O verso 15 é a demonstração precisa do que Schaeffer conceituou [10].
“Com efeito, a primeira coisa que ressalta na mensagem é a concepção de Javé como transcendente e sublime, mas que, por isso mesmo, é capaz de atender os daqui de baixo. […] no nível de ‘o alto’ se associam a eternidade e a sacralidade de Javé; no nível de ‘o baixo’, os triturados. O único verbo ativo neste v. 15 é o de ‘vivificar’, repetido duas vezes, que é precisamente a vontade desse Javé que habita tão alto.”[11]Essa condescendência divina é um verdadeiro milagre [12]!
Além de reconhecer a Deus, devemos buscar a misericórdia divina (vv.16-17). Apesar de permitir que Israel (e mesmo nós) colhesse os frutos de suas escolhas erradas, Deus não reteria deles Sua misericórdia para sempre. Grande é a compaixão de nosso Deus! Logo, devemos experimentar a restauração divina (vv. 18-19), que está ao nosso alcance. Deus prometeu dar a paz (shalom) para seu povo, o que envolve muito mais do que mera ausência de conflito: o Senhor quer devolver a nós a vida abençoada e harmoniosa que havia antes de o pecado trazer a ruptura entre os homens e Deus (Is 59:2).
Para tomarmos sabiamente a nossa decisão, devemos ter diante de nós as consequências da rejeição a Deus (vv. 20-21). Os perversos não possuem paz. Vivem agitados como o mar. Por mais que vivam e adquiram bens e possuam renome, não vivem satisfeitos, porque sua natureza incompleta reclama por aquilo que pode trazer vida à vida: a presença do Deus verdadeiro. Por Ele, importa viver e morrer, na certeza de que, em todo caso, a nossa vida está guardada em Cristo (Cl 3:3).
[1]Albert Camus, A queda (tradução de Valerie Rumjarek; Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, s/d), p. 28.
[2]L. Alonso Schökel e J.L. Sicre Diaz, Profetas I: Isaías-Jeremias (São Paulo, SP: Paulus, 1988), p. 362.
[3]J. Ridderbos, Isaías: Introdução e comentário (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 2006), 2a impressão da 2a edição, p. 464.
[4] S.J. Schwantes, O profeta do Evangelho: comentário sobre o livro de Isaías (Engenheiro Coelho, SP: Gráfica da União Central Brasileira, 1999), p. 148.
[5]J. Ridderbos,idem, p. 465.
[6] S.J. Schwantes, Idém.
[7] Augustus Hopkins Strong, Teologia Sistemática (São Paulo, SP: Hagnos, 2003), vol I, p. 100.
[8] J. Severino Croatto, Isaías: a palavra profética e sua releitura hermenêutica, vol. III: 56-66: a utopia da nova criação (Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002), p. 71.
[9] Francis Schaeffer, A morte da razão (São Paulo, SP:Aliança Bíblica Universitária do Brasil; São José dos Campos, SP: Editora Fiel da Missão Evangélica, 1989), 5a ed., p. 24.
[10] Outro exemplo bíblico se acha em Dn. 2:28, que apresenta a Deus como estando dos Céus, mas nem por isso impossibilitado de se comunicar através da revelação. Os exemplos são de minha responsabilidade, uma vez que Schaeffer não alude a nenhum verso bíblico específico.
[11]Idem, p. 72-73.
[12]J. Ridderbos, opus citada, p. 469.