quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

PECADOS NADA ORIGINAIS

Ontem Bento XVI pronunciou uma catequese geral repisando dois velhos pecados da igreja. O primeiro, a crença no pecado original, baseado em uma leitura equivocada (que remonta a Agostinho) de Romanos 5. O dogma do pecado original supõe que Deus nos considere culpados pelo pecado de Adão, o que contraria frontamente o ensino bíblico da responsabilidade individual pelo pecado (cf. Ez. 18:20). Na verdade, o pecado de Adão trouxe conseqüências sobre seus decendentes (Rm. 5:14), semelhantemente a uma gestante que, fumando durante a sua gestação, traria sérios resultados ao seu filho. Neste exemplo, o filho não teria culpa alguma, apesar de sofrer por causa do vício materno.
O segundo pecado é ainda mais mortal (apenas para usar uma das categorias em que a igreja Católica classifica os pecados): tornar simbólica a narrativa de Gênesis 3, que traz em primeira mão a queda histórica da Humanidade. Ressalto o adjetivo "histórica" fazendo um contraponto à perspectiva do papa, um evolucionista teísta ferrenho. Já falamos das incoerências do Evolucionismo teísta, posição advogada pela igreja romana oficialmente desde o pontífice anterior, o carismático João Paulo II.
Note a descompassada afirmação de Bento XVI em seu discurso (publicado na íntegra no site católico Zenit):
"Como foi possível, como aconteceu? [a origem do pecado] Isso permanece obscuro. O mal não é lógico. Só Deus e o bem são lógicos, são luz. O mal permanece misterioso. Ele é representado com grandes imagens, como faz o capítulo 3 do Gênesis, com aquela visão das duas árvores, da serpente, do homem pecador. Uma grande imagem que nos faz adivinhar, mas que não pode explicar o que é em si mesmo ilógico. Podemos adivinhar, não explicar; nem sequer podemos narrá-lo como um fato junto a outro, porque é uma realidade mais profunda. Fica como um mistério obscuro, de noite. [...]" Ênfase suprida.

Embora seja verdade que, em seu sentido mais substancial, o pecado seja um mistério (Paulo nos fala no "mistério da Iniquidade", em II Ts. 2:7), isto não justifica tomar o terceiro capítulo de Gênesis como não factual, do qual não se pudesse narrar "um fato junto ao outro". A solução exegética do dito sucessor de Pedro remete ao adágio "pior a emenda do que o soneto". Para Bento, dada a impossibilidade de se explicar o mal, nada como considerar a narrativa da queda como uma alegoria bem intencionada!

A verdade, porém, é que o relato da trangressão de Adão e Eva aponta que a morte é o produto final da equação de desobediência. Quer dizer que a morte passou a existir após o pecado. O evolucionismo teísta, que aceita o desenvolvimento progressivo da vida proposto pela Ciência Naturalista, se vê em uma "sinuca" - a morte é um processo biológico natural (como diz a moderna ciência) ou a malfada conseqüência advinda do primeiro pecado (como quer a Palavra de Deus)? Para resolver o impasse, o papa se vê obrigado a alegorizar o texto bíblico, em detrimento ao seu compromisso epistemológico com o naturalismo. Nisto, ele abre mão da Bíblia, destruindo a base para a sua própria argumentação sobre a origem do pecado (ironicamente, Paulo, em cujo capítulo 5 da epístola aos Romanos Bento se apóia ao falar do pecado, toma como histórica a figura de Adão, a narrativa de sua queda e a morte como resultado).
Enfim, a argumentação de Bento desprestigia a Bíblia, livro de fé do Cristianismo (incluindo aí os cristãos católicos). Temos o saldo de dois graves pecados cometidos pelo papa em um mesmo discurso - pecados perpetuados, diga-se de passagem, e, por conta disto, nada originais!

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