quarta-feira, 16 de abril de 2008

REVEZES DE UM SONHO


Uma rajada de ânimo teria pouco efeito.
Sombras ímpares cheias de desapontamento.
Todo o Universo a olhar para aquele pedaço.
Um pedaço de si mesmo, antes sorrindo por sorrir, numa gratidão disciplinada e regular como o ciclo das estações, subitamente infestado de sentimentos doentios e desestabilizantes. Corações magoados pela Crise, não tinham que dizer senão palavras voltadas um contra o outro, contra a natureza, contra as rosas por serem vermelhas demais e os arbustos por seu verde irritante, e contra Deus, porque, ora, porque Ele criara aquilo, criara as matas, montanhas,
Criara a imensidão de tudo quanto
Viam o homem e sua carne amada,
E, o que viam, agora lhes enfada,
Porque o pecador não ama ao santo.
Afagando os tucanos cabisbaixos, Eva treme. Suas pupilas, boiando pela piscina mórbida, tentava apreender uma lembrança da felicidade que perdera.
De um monólogo com o rebelde se lembra.
Fora o episódio insolente.
Caminhava, era manhã.
Belas frutas vermelhas essas, que Adão chamou maçã, por que mesmo? Cheiram um doce outonal, macio e longínquo. Adão, por que não veio? Deve estar a cuidar do leão, aliás que nome! Impõe força, e, no entanto, um animal tranqüilo como as horas. Esse caminho, eu já o fiz? Lembro-me… ah!, sim, sim. Estou no centro do Éden, dá para saber pelo aroma das laranjeiras e pelas formas paradisíacas da flor de maracujá.
Epa! Julguei ter ouvido um som? Será que ouvi, ou penso ter ouvido, como às vezes na minha imaginação ouço a voz de estrelas que eu e Adão nomeamos, comemorando os dias de nosso amor? Não, essa voz…que voz…de quem? Eu sei, deve ser um anjo, será que Deus mandou um anjo para me alertar? Ora, então aqui estou: a árvore de Deus. Suas folhas multiplicam os fragmentos de luz, como espelhos projetando imagens para fora de si mesmos. E seus frutos, dourados como o metal que cobre a superfície…o metal…ouro, Adão lhe nomeou – e esse eu ajudei a pôr nome. Outra vez a voz que vaza no ar sem aviso – de quem é essa voz?
Deixa o tucano em seu galho.
Adão confronta o que sente.
Ele revê a cena em que teve de optar.
A quem poderei dar as mãos, enquanto caminho pelas alamedas olhando os cinamomos, sentindo sua fragrância? Não posso deixar de ver seu rosto na forma indecisa do lago. Não posso perder seu calor. Quem falará aos meus ouvidos com uma voz de margarida e rouxinol? A fruta nem parece tão má. Talvez… pelo menos, Eva ainda está em pé, não morreu, não! Parece ainda mais cintilante e rubramente delicada. Quem sabe Deus perdoe essa pequena desobediência em nome do amor… Deus não sabe que entre os animais não se encontrou uma companheira que fosse à minha altura? É certo que sabe! Sabe que eu preciso de Eva, que não posso perdê-la; o que tiver de sobrevir a ela, suceda igualmente comigo.
Disse e comeu da fruta.
Ambos passaram pelo portal. Recuaram. De fora, o ar trazia sopros de morte e oxidação. O panorama tinha sombras e perfis retorcidos. Tudo parecia rir deles. O pecado não se afigurava tão inocente como chegaram a supor. E, de fato, jamais novamente o teriam como ação inocente.
Depois de muito tempo, Adão segura novamente a mão de Eva. Suavam, tensos, tensos. Mas ele sorriu. Ainda havia uma promessa.
Suas emoções vinham à tona na partida.
Como perder Seus filhos, para os quais tudo dera?
Não os entrega à culpa pelo que cometeram.
Oferta à nudez deles as peles de um cordeiro.
Teria saudades enquanto durasse a ausência do convívio direto. Pensaria nos momentos em que Adão era o aluno aprendendo sobre borboletas e cometas. Não lhe veria mais o rosto enquanto durasse sua vida, uma vida que poderia não ter sido interrompida. Para ele e sua esposa, Seu rosto seria uma sombra que as futuras gerações recordariam pelos relatos do passado, até que a esquecessem. Sua identidade ficaria sendo um mistério para todos os que amava.
Teria saudades enquanto durasse…


Leia também:

Nenhum comentário: