Zacarias é um nome bíblico bem comum. E,
semelhante ao seu nome, estamos diante de um religioso comum, atuando de forma
discreta em seu turno. Nada de especial. Quando saiu da cama e calçou seu
chinelo, Zacarias não tinha a presunção de encontrar nada além do que se espera
ver em um dia de trabalho. Se você olhasse em sua agenda, não veria qualquer
menção a algo do gênero: “11 horas: encontrar-se com o anjo no templo”.
Todavia, às vezes o extraordinário eclode na esquina de nossa rotina comum.
A coisa aconteceu assim:
Conforme o costume dos sacerdotes, ele
havia sido escolhido por sorteio para queimar o incenso no altar e por isso
entrou no Templo do Senhor. Durante o tempo em que o incenso queimava, o povo
lá fora fazia orações. Então um anjo do Senhor apareceu em frente de Zacarias,
de pé, do lado direito do altar. (Lc 1:9-11, NTLH).
Claro que Zacarias sabia quem eram os anjos.
Ele já lera sobre eles no Antigo Testamento. Conhecia o relato da visita deles
a personalidades como Abraão, Jacó, Manoá e sua esposa (os pais de Sansão) e
tantos outros. Ocorre que você não esbarrava em anjos o tempo todo nas ruas de
Jerusalém! Aliás, fazia algum tempo desde que o último anjo fizera uma visita
ao povo escolhido. Muitos sacerdotes já nem criam mais neles!4
O que um anjo fazia ali? Sem dúvida, não
viera tomar uma xícara com café (ou cevada)! O mensageiro celestial portava um
recado. Algo incrível aconteceria. E Zacarias faria parte daquilo – por mais
inacreditável que parecesse!
A primeira reação do sacerdote e futuro papai
de profeta foi medo. Ele se sentiu profundamente aterrorizado pela companhia
repentina. Você já teve medo de algo que Deus fez? Já sentiu o coração ficar
abaixo de zero com o toque do Eterno? Era bom demais para crer, mas estava lá,
acontecendo diante de seu olhos fora das órbitas.
Claro que o anjo tinha boas notícias.
Zacarias veria que suas orações foram atendidas e que ele em breve seguraria
seu filho nos braços (Lc 1:13). O cheiro de xampu infantil ficaria impregnado
nas mãos cheias de calo. Depois de tantos anos, ele e sua amada Isabel poderiam
voltar a pensar em enxoval e economias para as fraldas.
Contudo, não se trataria apenas de um sonho.
O pacote completo incluía solene reponsabilidade. O menino seria especial. Um
mensageiro de alegria. Traria renovação e satisfação a um povo oprimido pela
maldade. A aridez da religião seria irrigada com a mensagem do profeta do
Jordão.
O menino seria chamado João, nome que está
associado com a palavra para “graça”. Graça é quando o Ser supremo beijo o pó
que o cerca e que jamais poderia beijar sua face em retribuição – eu e você
somos esse pó, diante do glorioso Deus que nos trata favoravelmente. Não
merecemos e recebemos. Isso é graça.
Tudo aquilo soava fantástico. Até demais.
Zacarias era um sacerdote, que orava regularmente e que tinha diante de si
confirmação sobrenatural de que Deus o ouvira. O que fez ele? Começou a
exclamar “aleluia”, enquanto pulava de felicidade? Infelizmente, sua reação
tinha o ranço da dúvida que persegue um adorador amargurado:
E Zacarias disse ao anjo: “De acordo
com que fato eu saberei disso? Pois, digo por mim, sou um homem idoso, e minha
esposa é avançada em anos. E o anjo respondendo, lhe disse: “Digo por mim, eu
sou Gabriel que permanece na presença de Deus, e eu fui enviado com a missão de
falar a você e lhe mostrar as boas novas dessas coisas. E atente, você estará
continuamente em silêncio e não poderá falar até o dia quando essas coisas
tiveram lugar, porque você não creu em minhas palavras, palavras de tal
natureza que elas se cumprirão em seu tempo estrategicamente apontado. (Lc
1:18-20, New Testament: An Expanded Translation)
Com mal disfarçada descrença, o esposo de
Isabel se manifestou. Talvez fosse a vez do anjo se impressionar – “como esses
mortais conseguem ser tão cegos?!”
O texto destaca qual seria a punição de
Zacarias: sendo que sua fala expressou descrença, sua mudez serviria para
convencê-lo de que Deus é capaz de realizar o que desejar. Às vezes, as
maravilhas do Céu nos deixam boquiabertos e mudos, de qualquer jeito mesmo…
Quando
o Senhor levanta a voz, o silêncio humano deixa de ser mero requisito para se
tornar o hábitat do sábio – pois quem
seria tolo para contestar as palavras do Rei do universo? No templo do
silêncio, a alma reverencia quem merece ser ouvido.
Foi fácil para o idoso sacerdote conservar-se
mudo? Nos próximos meses, ele não pode comemorar a gravidez com Isabel, nem
dizer que ela continuava linda quando a barriga começou a se destacar. Não deu
muitos palpites nas cores do quarto da criança. Teve de permanecer quieto, de
forma embaraçosa.
Contudo, chegou o dia da mudança: o sol se
derramou pelas colinas e se deitou sobre a grama, que agora se iluminava de
forma especial. Pássaros cantavam apaixonada e febrilmente. Todos na vizinhança
acordaram cedo, expectantes. Uma parteira estava profissionalmente ao lado de
Isabel, insegura pela gestação tardia. Às contrações aumentaram, os gritos
surgiram, os sorrisos despontaram.
João Batista nasceu!
Zacarias, evidente, estava lá, na primeira
fila. As circunstâncias lhe faziam ter muito a comentar. Se pudesse, ele teria
falado para todos de sua alegria. Porém, ainda estava sem palavras –
literalmente. Os presentes reconheciam o nascimento da criança como resultado
da misericórdia divina sobre o casal (Lc 1:57); na verdade, como veremos, Deus
estendia Sua misericórdia sobre todos ao levantar João Batista.
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