sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

UM ATO DE RISCO


A intersecção entre frio e escuro,
De uma região anexa à outra;
Que nome melhor para esta zona
Senão nominá-la medo?

Pátria de todas as reticências
E abismo de todos os mistérios…
Dentro desta cúpula noturna
Ele se acha agora preso.

À mesa oval, compleição complexa,
Como um prisioneiro consciente
De que sua pena cumprir-se-á,
Porque escuta o andar dos guardas.

Ele sintoniza uma estação
E ouve o quanto o rádio lhe permite.
Ah! O rádio não passa de uma caixa
Com pronúncia de asmático.

Canções são sussurros indecisos.
Os sons insinuados contrapõem
O medo ao soprar dias melhores
– São gotas de um gozo em fuga.

De entre as grades ouve o carcereiro
Lúbrico – há prazer mais carcerário
Do que o cumprimento da sentença
– Um sadismo em tons bem justos.

Como se o homem-carcereiro fosse
A sociedade que se vinga
De algum criminoso que merece
Não justiça, mas a pena.

No presente caso, a transgressão
Pela qual seus olhos azuis pagam,
São crimes alheios e constantes
E a pena é sofrer o abuso.

Do alto de seus oito anos, é
O prisioneiro para quem
Jamais a próxima punição
Chegará a ser uma última.

Sobressalta-se e é de novo o medo
Algo como um tônico motriz.
Foge para a escada que há na sala,
Coruja empolada no alto.

Ouve os vitupérios no atropelo
Do esbravejo etílico lá fora.
Ele então se inclina ao corrimão,
Pensa em Deus. Transbordam olhos.

É hipicamente deslocado
O trinco da porta. Nisso, o medo
Passa de um pressentimento à forma,
Forma de invasor real.

Não se trata de um medo produto
De ficção. Não um medo sentido
– Ele pode ser tocado… e mais:
O medo pode tocar!

Vozes de estridente diapasão.
Distante da cena de ódio, enterra
O crânio entre as pernas, conflitante
Tanto quanto está confuso.

Cada berro feminino é como
Se algo quebrasse dentro dele.
Depois (e como o costume rege),
Um silêncio assaz litúrgico.

Ele se ergue e já não mais por medo;
Apoia-se em férreo corrimão,
E se toda escolha custa sempre,
Esta tem um preço acima:

Caminha, humano e homem, com oito anos
(O homem que se deve ser desponta).
Da poltrona, os engasgos violentos
De alguém menor, mas mais velho:

As ilusões de álbuns flanam ante
As retinas gastas sem proveito
– Conhece que são ilusões tolas
(Não que hajam ilusões sábias).

Reflete, sem que ouça os passos flébeis,
De quem se avizinha como aliado,
Aliado sensível. Vem da rua
A luz de um farol de carro.

Suficientemente duradoura
Para eternizar esse momento;
Levanta o menino a sua fronte,
Soldado pronto ao martírio.

Pela bronca aguarda e não há bronca.
Mal sabe: a hora é sua por decreto.
A luz do farol do carro trouxe
A compreensão vária à sala.

O homem na poltrona ergue a cabeça
(Antes entre os joelhos) e lhe lança
O confuso olhar. Do engano de ambos
Nasce a compreensão e o início.

O menino chega e toma as mãos
(As espessas mãos que cheiram a álcool),
Mãos sujas de sangue feminino),
Pondo as suas sobre elas.

O medo volta e ele quer voltar;
Resiste ao seu dono a própria perna.
Logo, recupera-se do choque,
Sua decisão mantém.

Quando o hálito de ambos preenche o vácuo,
O pequeno pare a frase em dores,
A frase que arrasa o inimigo:
“Eu amo você, papai!”.


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