domingo, 29 de junho de 2008

CHAMADO PARA TER UMA IDENTIDADE - parte 3




E o que tudo isso tem que ver com a história de Sansão? No relato bíblico, Deus procurou incutir nos pais do futuro juiz a percepção de que seriam responsáveis por transmitir a ele uma educação suficiente para prepará-lo no sentido de cumprir a missão de sua vida. Ellen White enfatiza a importância deste “treinamento” para a obra que Sansão empreenderia:

E não era bastante que o filho prometido recebesse um bom legado dos pais. Este devia ser seguido de um ensino cuidadoso e da formação de hábitos corretos. Deus determinara que o futuro juiz e libertador de Israel fosse desde seu nascimento ensinado na estrita temperança. Devia ser nazireu desde seu nascimento, achando-se assim posto sob proibição perpétua do uso do vinho ou de bebida forte. […]
A verdadeira temperança nos ensina a dispensar inteiramente todas as coisas nocivas, e usar judiciosamente aquilo que é saudável. [1]

O voto do nazireado, a que Sansão seria submetido, era uma forma de incrustar os valores de domínio próprio e domínio do apetite. Ainda hoje servir a Deus inclui dominar-se, o que certamente inclui abrir mão de gostos pessoais, de opiniões formadas, de hábitos alimentares incorretos, de um temperamento voluntarioso e procurar desenvolver, pela fé e relacionamento com o Salvador, uma conduta marcada pelo serviço ao próximo e a Deus.
Ainda no que diz respeito ao nazireado, o termo original se deriva de uma raiz que indica algo separado, podendo até ser empregado com o sentido de distinto (reunindo as acepções de “diferente” e “iminente”). Mas, no sentido técnico, nazireu se refere a “um grupo de indivíduos dedicados” a Deus, “líderes espirituais de seu tempo”. [2] Os nazireus não eram sacerdotes, mas “leigos que se consagravam totalmente ao serviço de Deus”, na maior parte das vezes por um período estabelecido, em poucos casos, durante toda a vida. Eram separados de algumas coisas e, acima de tudo, separados para Deus. O voto apontava para “a dedicação total ao serviço de Deus, que é o alvo de todos os cristãos.” [3] Além de contribuir para a consagração pessoal, o voto era importante para preservar a identidade nacional:

O nazireado tem uma importância direta no que se refere ao fortalecimento da consciência nacional e de sua fundamentação religiosa. Certamente, não foi pouca sua contribuição para manter viva em Israel, a consciência de seu caráter específico como povo e da necessidade de manter-se alheio a tudo o que é cananeu, já que fora eleito pelo Deus zeloso. Dessa maneira, os nazireus foram um fator importante porque a religião israelita não caísse num fácil compromisso com a religião Cananeia, para impulsioná-la a que afirmasse e sustentasse com energia sua própria peculiaridade. [4]

Relembrando: Deus escolheu Sansão para uma missão e, a fim de prepará-lo, orientou seus pais que o menino viveria dentro das prescrições de um voto especial de consagração. Sansão recebeu seu RG das mãos celestiais. E qual foi o resultado?
O epílogo do encontro foi, certamente, a coisa mais espantosa que Manoá e sua esposa haviam testemunhado! O estranho mensageiro sumiu em meio às chamas do sacrifício, deixando o simpático casal boquiaberto – haviam sido visitados pelo Anjo do Senhor! Manoá temeu por sua vida, mas sua esposa, com ar mais confiante, fez com que ele reconhecesse que, por causa de todas as revelações feitas, o Senhor tinha um plano (Jz 13:20-23).

De fato, poucas pessoas na Bíblia têm um nascimento anunciado sobrenaturalmente – estamos falando de gente do “quilate” de Isaque, João Batista e Jesus. Sansão era um herói promissor. É claro que hoje poucas pessoas são escolhidos da forma como Sansão foi; ainda assim, Deus traçou Seu plano para nós desde o nascimento. Ele reservou uma missão para você. Para cumpri-la, você necessita da visão correta, baseada na comunhão pessoal com Deus, através de Sua Palavra. Também deve haver uma constante submissão à vontade divina revelada, o que levará a uma vida marcada pelo domínio próprio. Detendo-se no começo da história de Sansão, o leitor da Bíblia espera esbarrar-se com algum “super-santo”, um campeão da Verdade. Alguém que vivesse de forma diferenciada. Um gigante da fé. No entanto, algo deu muito errado.

Retirado do livro Paixão Cega. Para adquirir o volume no site da CPB, clique aqui.



[1] Ellen G. White, “Patriarcas e Profetas” (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2008), 1ª ed. neste formato, p. 412[2] R. Laird Harris, Gleason L. Archer, Jr e Bruce K. Waltike, “Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento” (São Paulo, SP: Vida Nova, 2005), 4ª reimpressão, pp.445-447.[3] Gordon J. Wenhan, “Números: introdução e comentários” (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 2006), 2ª reimpressão, p. 91, 92 e 95.[4] Walther Eichrodt, “Teologia do Antigo Testamento” (São Paulo, SP: Hagnos, 2005), p. 272. Não precisamos aceitar completamente a opinião de Eichrodt, para quem, primitavemente, o nazireado era uma classe guerreira, antes de constituir um voto de consagração. No entanto, acreditamos ser pertinente a avaliação geral que o autor fez do papel do nazireu, razão pela qual a citamos.

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