segunda-feira, 2 de junho de 2008

SER ÚTIL X EXERCER DOMÍNIO - parte 2


Acompanhe comigo as palavras inspiradas:

“quando Jotão soube disso, subiu ao topo do monte Gerizim e gritou para eles: ‘Ouçam-me, cidadãos de Siquém, para que Deus os ouça ." Juízes 9:7 NVI.

Já analisamos como Abimeleque conspirou contra seus setenta irmãos; mancomunado com os habitantes de Siquém, ele assassinou quase todos eles e tornou-se uma espécie de rei local. Quase todos, porque Jotão sobreviveu.

Como forma de protesto, o filho remanescente de Gideão subiu ao monte Gerizim, sobre o qual repreendeu os criminosos utilizando uma parábola. O local era situado em algum ponto do “monte de 869 metros acima do nível do mar, ao sul do vale de Siquém, defronte de Ebal”; Gerizim era o monte das bênçãos e maldições (Dt 11:29; 27:12; Js 8:33)”[1], proferidas a aproximadamente um século e meio antes.[2] No Monte Gerizim se encontra uma “plataforma rochosa triangular”, de onde a voz de uma pessoa pode ecoar até o monte fronteiriço, o Ebal, por cima do vale em que se localiza a cidade de Siquém.[3] Jotão estava próximo o suficiente para ser ouvido e distante o bastante para ficar seguro.

“Certo dia as árvores saíram para ungir um rei para si. Disseram à oliveira: ‘Seja o nosso rei!’ A oliveira, porém respondeu: ‘Deveria eu renunciar ao meu azeite, com o qual se presta honra aos deuses e aos homens, para dominar sobre as árvores?’Então as árvores disseram à figueira: ‘Venha ser o nosso rei!’ A figueira, porém, respondeu: ‘Deveria eu renunciar ao meu fruto saboroso e doce, para dominar sobre as árvores? Depois as árvores disseram à videira: ‘Venha ser o nosso rei!’ A videira respondeu: ‘Deveria e renunciar ao meu vinho, que alegra os deuses e os homens, para ter domínio sobre as árvores?’” Juízes 9:8-13.

As três árvores citadas – oliveira, figueira e videira – eram comuns na região, conhecidas por seus produtos: a oliveira era usada em libações, para unção (quer em cerimônias religiosas, quer em civis) ou como produto alimentício; a figueira, era mais usada no consumo alimentício; finalmente, empregava-se a videira como parte de rituais pagãos (no caso dos vizinhos de Israel) e como alimento. Todas, portanto, possuindo uma utilidade.

Justamente em decorrência de sua utilidade, as três árvores se recusam a abandonar suas funções, em troca de um posto de governo. Podemos aprender, do lado positivo da recusa das árvores, o reconhecimento de suas próprias habilidades, bem como das implicações sociais que certamente possuíam.

Quando pensamos em dons, visualizamos capacidades espirituais concedidas sobrenaturalmente e com jurisdição eclesiástica. Contudo, Deus não restringiu os dons com os quais nos dotou a uma aplicação restrita – para serem usados apenas na igreja. “Os dons e as virtudes cristãos têm implicações sociais”[4], e, o trabalho, inclusive o secular, tem de ser encarado como uma vocação divina.[5] Por outro lado, no caso da história de Jotão, é fácil entendermos que

“[…] as pessoas de dignidade e influência, dentro da comunidade, não estavam ansiosas para abandonar suas esferas de trabalho construtivo, trocando-o pela honraria dúbia de uma monarquia”[6]

Isso é mais verdade em uma época em que não havia reis em Israel (Jz 18:1; 21:25). É claro que o apego ao dever, mesmo ao mais simples, como algo digno, possuindo valor, não exclui a verdade de que mesmo uma liderança social, de caráter político, também seja algo digno.

“Governar exige de um homem muito esforço e cuidado, os favoritos da confiança e do poder público devem renunciar a todos os seus interesses e vantagens particulares pelo bem dos demais, os que têm ocupado cargos de honra e dignidade correm o risco de perder sua capacidade de dar fruto. Esta é a razão pela qual os que desejam fazer o bem temem ser demasiadamente grandes.”[7]

Embora possua desafios, seguir a carreira política é compatível com a vida cristã, como qualquer outra vocação digna. Quando cristãos utilizam suas vocações dentro de uma perspectiva espiritual, que parte do reconhecimento de que Deus lhes concedeu dons com o potencial de modificar, mediante o uso adequado destes dons, a sociedade na qual estão inseridos, o propósito social para a nossa existência se torna uma realidade. O próprio Reino de Deus, entendido como “uma esfera, um comprometimento, uma atitude e um modo de vida e pensar que permeia toda a existência”, torna-se uma realidade prática, vivenciada por nós e visualidade a partir do exercício de nossa cidadania nacional por nossos concidadãos não-crentes.[8]



[1] A. R. Buckland, “Dicionário Bíblico Universal” (São Paulo, SP: Editora Vida, 1998), 13ª reimpressão, p. 175, verbete “Gerizim”.
[2] Artur E. Cundal e Leon Morris, opus citado , p. 124.
[3] Comentário Bíblico Moody, contido no CD-Room “Biblioteca Teológica vol. 3”.
[4] Bert B. Beach, “O cristão e a política: um parecer para o envolvimento judicioso em questões sociopolíticas sem compromoter as prioridades cristãs” (Diálogo Universitário, ano 9, volume 1) p. 5.
[5] Para uma breve consideração sobre como esta noção protestante se desenvolve e quais algumas de suas implicações, ver Douglas Reis, “O pastor como alguém que desperta vocações: o exemplo de Lutero”, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2008/05/o-pastor-como-algum-que-desperta-vocaes.html.
[6] Artur E. Cundal e Leon Morris, idem , p. 125.
[7] Comentário Bíblico Matheus Henry, contido no CD-Room “Biblioteca Teológica vol. 3”.
[8] Bert B. Beach, opus citado, p. 6.

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